De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...
Por: Cassius Lobo e Dayana Uhdre
As polêmicas em torno da Lei Complementar nº 157/2016, que alterou disposições da Lei Complementar nº 116/2003 (responsável por regulamentar o Imposto Sobre Serviços – ISS), ganharam um novo, importante, e problemático capítulo. No dia 30 de maio, o Congresso Nacional derrubou os vetos parciais impostos, corretamente, pelo presidente da República, alterando, relativamente a algumas atividades, a competência municipal para cobrar o ISS.
A decisão do Congresso incluiu os, até então vetados, incisos XXIII, XXIV e XXV, no art. 3º da Lei Complementar 116/2003. Na prática, significa que os municípios de domicílio dos tomadores dos serviços de cartões de crédito e débito, leasing e operadoras de planos de saúde em geral, terão a competência para cobrar o ISS. Até referida mudança, o tributo era devido no local onde ocorria a efetiva prestação de serviços ou em que sediado o estabelecimento prestador.
Além das óbvias dificuldades operacionais que a alteração vai causar, a derrubada do veto indica seu caráter meramente político, não só pelo atual cenário brasileiro, como também pela ausência de qualquer consideração à estrutura normativa, constitucional e infraconstitucional, regente do referido imposto. Argumentou-se pelas consequências.
Em tese, o município do tomador dos serviços aqui discutidos só poderá exigir o imposto a partir de 2018
Pois bem, ocorre que uma leitura mais atenta da discutida alteração legislativa desvela que, da forma como estruturadas, tais exações são de constitucionalidade no mínimo duvidosas. Principiemos rememorando que a Carta Política confere aos municípios integral autonomia como entes federativos, equiparando tais pessoas jurídicas de direito público à União e aos Estados membros.
No texto constitucional, mais especificamente no art. 156, III, está contemplada a competência dos entes municipais para exigir o ISS. É dizer, sob a estrutura existente – autonomia dos entes municipais dentro de seu território c/c com a competência para instituir o referido tributo – resta implícito que tal prerrogativa deve ser exercida somente dentro de seu âmbito territorial, prestigiando assim o princípio da territorialidade. Inclusive esse posicionamento tem sido confirmado constantemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde foi afirmado e refirmado que "o município competente para cobrar o ISS é o da ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja, o local onde os serviços foram prestados".
Outro ponto controverso é a questão da vigência e aplicabilidade das alterações. Nesse ponto, e a fim de bem compreender-se quando e de que modo as alterações implementadas terão efeitos práticos, é em todo útil rememorar as diferenças entre as denominadas normas de estrutura e as normas de comportamento. Dito de forma mais simplória, as normas de conduta vocacionam-se a regulamentar os comportamentos humanos em sociedade (prescrição de suas condutas); já as normas de estruturas dirigem-se a "minudenciar", "reger", a forma como os agentes autorizados pelo sistema jurídico (notadamente os legisladores dos entes federados) devem produzir as normas jurídicas de comportamentos.
Trazendo tais noções ao âmbito do ISS, facilmente percebemos que a Lei Complementar 156/2016 (e, obviamente a Lei Complementar 113/2003), é norma de estrutura. Insere-se dentro da ideia de lei complementar de normas gerais tributárias (art. 24, I e §§ c/c art. 146 e incisos, todos da Constituição Federal), cuja função é, apertada síntese, minudenciar a competência tributária estabelecida na Constituição Federal. Ora, quando os entes municipais forem estabelecerem o ISS em seus territórios (afinal, apenas com a instituição, pelo ente competente, da lei regente dos comportamentos, é que o tributo é instituído) devem observar a autorização constitucional, minudenciada, conformada pela lei complementar de normas gerais, sob pena de invalidade da exação tributária criada.
Nesse sentido, parece cristalino que os princípios da anterioridade (anual e nonagesimal) e da legalidade dirigem-se ao legislador dos entes federados, que elaborarão as normas de comportamentos. Assim, o princípio da anterioridade, previsto no art. 150, III, b e c, da Constituição Federal, que estabelece que é vedado aos entes federativos a cobrança de tributo instituído no mesmo exercício financeiro em que publicada a lei que o instituiu ou majorou, e sem um intervalo mínimo de 90 dias, só deve ser observado a partir do momento em que os entes municipais alterem suas legislações ordinárias – alterações essas que devem vir veiculadas por lei, obviamente.
Assim, em tese, o município do tomador dos serviços aqui discutidos só poderá exigir o ISS a partir de 2018, momento em que as eventuais alterações legislativas-municipais passarão a produzir efeitos perante os contribuintes. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
Cassius Lobo e Dayana Uhdre são, respectivamente, tributarista do Küster Machado, pós-graduado em direito tributário e processo tributário pelo IBET, pós-graduado em contabilidade e finanças pela Universidade Federal do Paraná, mestrando em direito tributário pela Universidade Católica de Lisboa, membro do International Fiscal Association (IFA); pós-graduada em direito tributário e processo tributário pelo Ibet, mestre em direito tributário pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora de graduação e pós-graduação em direito tributário da Faculdade de Pinhais/PR e do Ibet.
Fonte: Jornal Valor Econômico
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