De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.
Por Mauricio Bueno e Mauricio Vedovato
Ao apagar das luzes de 2016 o governo
federal alterou a Lei Complementar nº 116/2003 para permitir a incidência do
Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre streaming e downloads de conteúdo pela
internet, modelos de negócio cada dia mais populares que são utilizados
inclusive por empresas como Netflix, HBO Go, Amazon Prime, Spotify, Deezer e
Apple Music.
Sancionada em 29 de dezembro, a Lei
Complementar nº 157/2016, entre outras alterações, incluiu na Lei Complementar
nº 116 o item 1.09, que dispõe ser atividade sujeita à incidência do ISS a
disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e
textos por meio da internet, excetuando livros, jornais, periódicos e a
distribuição de conteúdos por prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado
(basicamente, TV a cabo).
Tais empresas não podem ser obrigadas a
arcar com o ISS imediatamente, pois a modificação na Lista de Serviços Serviços
da Lei Complementar nº 116 não autoriza, de imediato, a cobrança do ISS, sendo
necessário que cada município promulgue lei municipal incluindo tais atividades
no rol de serviços passíveis de tributação pelo ISS. Além disso, após a
promulgação da lei municipal, também deverá ser observado o princípio da
anterioridade, segundo o qual o imposto somente poderá ser cobrado no exercício
posterior e após 90 dias contados da data de publicação da lei municipal.
Não é a primeira vez que o legislador
pretende arrolar na Lista de Serviços do ISS atividades que não se enquadram
como obrigação de dar
No entanto, uma análise mais detida
demonstra que a alteração feita por meio da lei complementar é equivocada, pois
o ISS não pode incidir sobre streaming e downloads de conteúdo pela internet.
A distribuição de conteúdo multimídia
pela internet, seja por meio de streaming, hipótese na qual o conteúdo acessado
não é armazenado no computador, tablet ou aparelho celular do usuário – um
filme, por exemplo, somente poderá ser assistido novamente por meio de outro
acesso à internet -, ou por downloads, caso em que o conteúdo é baixado e
armazenado no terminal do usuário, ainda que temporariamente, nada mais é que a
exploração de direitos autorais e de imagem, basicamente, e não uma prestação
de serviços.
Isso pode ser constatado pela leitura
do próprio item 1.09 da Lista de Serviços, que trata a atividade como a
"disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo por meio da
internet". Ora, a denominada "disponibilização, sem cessão
definitiva" nada mais é do que a concessão de uma licença limitada ao
usuário para acessar o conteúdo protegido por direitos autorais, o que não
envolve uma "obrigação de fazer" por parte da empresa, mas
simplesmente uma "obrigação de dar" (dar acesso ao conteúdo). O fato
de o acesso do conteúdo se dar pela internet não descaracteriza a natureza do
contrato celebrado entre as partes.
Embora algumas dessas empresas
denominem sua atividade como um "serviço" em seus Termos e Condições
de Uso aos quais os usuários devem aderir ao cadastrarem-se como assinantes, a
realidade é que a atividade contratada não envolve uma prestação de serviço, o
que impede a sua tributação pelo ISS.
Essa não é a primeira vez que o
legislador pretende arrolar na Lista de Serviços do ISS atividades que não se
enquadram como obrigação de dar: a ‘locação de bens móveis’ constava no item 79
da Lista de Serviços da Lei Complementar nº 56/1987, assim como a ‘cessão de
direito de uso de macas e sinais de propaganda’ consta no item 3.02 da Lista de
Serviços da Lei Complementar nº 116.
Porém, a jurisprudência é pacífica no
sentido de que o ISS não pode incidir sobre obrigações de dar, apenas sobre
obrigações de fazer, tendo sido editada a Súmula Vinculante nº 31 do Supremo
Tribunal Federal (STF), segundo a qual é inconstitucional a incidência do ISS
sobre operações de locação de bens móveis. Da mesma forma, o Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJ-SP), em arguição de inconstitucionalidade, já decidiu
que a cessão de direito de uso de marcas não configura prestação de serviço
(Apelação nº 9101843-74.2008.8.26.0000, Rel. Erbetta Filho, 15ª Câmara de
Direito Público, julgada em 17/01/2013).
Assim, o recém-incluído item 1.09 da
Lista de Serviços deverá ser declarado inconstitucional pelo Judiciário,
seguindo o tratamento dado à "locação de bens móveis" e à
"cessão de direito de uso de marcas", dentre outras.
Portanto, por não se caracterizar por
um serviço de qualquer natureza, a atividade econômica desenvolvida por
empresas como Netflix e Spotify não se encontra no alcance da incidência do
ISS, nem do ICMS. Para tributar tal atividade, assim como diversas outras
atividades que envolvem a obrigação de dar (locação de bens móveis e imóveis,
cessão de direitos sobre marca, direitos autorais etc), seria necessária a
instituição de novo imposto, de competência residual da União Federal (artigo
154, I, da Constituição Federal), e não o caminho que foi trilhado.
Mauricio Bueno e Mauricio Vedovato são,
respectivamente, sócios e coordenadores das áreas de tributário e internet,
mídia e entretenimento do escritório Lilla, Huck, Otranto, Camargo Advogados
Este artigo reflete as opiniões do
autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem
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natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte:
Valor
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