De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...

Funções de Confiança e Cargos em Comissão
Um prezado servidor municipal, que ocupa o cargo de Fiscal “Faz Tudo” (o
cargo dele é Fiscal de Obras, Posturas e Meio Ambiente) enviou-me
mensagem na qual pergunta se o Chefe da Fiscalização pode ser nomeado
livremente pelo Prefeito, sem pertencer ao quadro de carreira.
Por ser assunto de interesse de vários Servidores Municipais, transcrevo
abaixo a minha resposta:
Lastimável a situação encontrada em vários Municípios, de desrespeito à
Constituição Federal! Vou tentar resumir o assunto da pergunta.
No serviço público, temos três expressões distintas: Cargo, Função, Emprego.
Para não estender o artigo, comentaremos apenas os Cargos e Funções.
Cargos Públicos
Cargo de carreira, ou de provimento efetivo, é definido em lei e exerce funções
(atividades) específicas ao cargo, conforme descrição na lei. Os ocupantes de
cargos de carreira são, obrigatoriamente, concursados, ou, então, aqueles que
já exerciam a atividade anteriormente à vigência da atual Constituição Federal,
os quais, pelo passar do tempo, são poucos os que ainda estão no batente. O
concurso público estabelece critérios de seleção, exigências e requisitos, e
uma delas, necessariamente, é a formação técnica ou de ensino, justamente
para manter um padrão de qualidade ao serviço que será exercido. Por
exemplo, “Fiscal de Obras” deveria ter formação técnica específica
(Engenheiro, Arquiteto ou, pelo menos, Técnico em Edificações).
Temos, porém, outra espécie de Cargo: os chamados Cargos em Comissão,
ou de confiança. Os Cargos em Comissão são unidades completas de
atribuições previstas na estrutura organizacional e são independentes dos
Cargos de provimento efetivo. A dizer assim que o campo de abrangência dos
Cargos em Comissão claramente se enquadra nas atividades de direção,
chefia e assessoramento superiores do grupo de confiança, restrita dos
dirigentes do Poder Executivo.
O Cargo em Comissão, independentemente da forma de provimento amplo ou
restrito é um conjunto de atribuições de direção, chefia e assessoramento, sem
qualquer correlação com a estrutura de cargos efetivos, de carreira. Ou seja,
este cargo não pode estar intrinsecamente ligado às funções de um cargo de
provimento efetivo. O elemento central do Cargo em comissão é a questão
confiança política.
Merece registro o conceito de cargo estabelecido no art. 3º e parágrafo único,
da Lei Federal n. 8.112/90:
“Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas
na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são
criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres
públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão”.
Observa-se, no parágrafo único, a classificação dos cargos, em efetivo ou em
comissão.
Nas Prefeituras, são comuns os Cargos em Comissão, tais como Chefe de
Gabinete, Secretário, Procurador-Geral, Secretário Adjunto, Assessor Especial
e alguns outros. A criação de Cargos em Comissão está prevista em lei e deve
ser parcimoniosa e com uso de critérios rígidos, a fim de não conflitar com as
atividades normais dos ocupantes de cargos de carreira. Caso contrário, a
criação de Cargos em Comissão seria um ardil para burlar a obrigatoriedade de
concurso público e efetividade das carreiras.
A prática de criação indiscriminada de cargos em comissão já foi alvo do
Supremo Tribunal Federal, frente a um caso concreto de criação de cargos
comissionados na Câmara Municipal de Blumenau. No caso, o STF afirmou o
caráter de exceção na criação de cargos em comissão, reputando desatendido
o princípio da proporcionalidade, pois dos 67 servidores da Câmara, 42
exerciam cargos de confiança, enquanto apenas 25 eram servidores efetivos.
Em outra decisão, o Pleno do STF julgou procedente, por unanimidade, a Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 3.706 (15/08/07), relatada pelo Ministro
Gilmar Mendes, declarando a inconstitucionalidade de norma que criou cargos
em comissão para atribuições não destinadas a direção, chefia ou
assessoramento.
Funções
Função não é um cargo. Temos dois tipos de Funções:
I - as que são exercidas por servidores contratados temporariamente em razão
do caráter de urgência na contratação, e que a necessidade de contratar seja
de excepcional interesse público. Não são concursados (exatamente pela
urgência de contratação). A atual ideia de contratar médicos estrangeiros
caberia, talvez, nesta hipótese.
A Lei Federal n. 8.745/93, e suas alterações, indica como casos de excepcional
interesse público:
a) assistência a situações de calamidade pública;
b) combate a surtos endêmicos;
c) realização de recenseamentos e outras pesquisas estatísticas pelo IBGE;
d) admissão de professor substituto e professor visitante;
e) admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;
f) atividades especiais nas Forças Armadas;
g) atividades de identificação e demarcação desenvolvidas pela FUNAI;
h) atividades finalísticas em Hospital das Forças Armadas;
i) atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos sob responsabilidade
do CEPESC;
j) atividades de vigilância e inspeção no âmbito do Ministério da Agricultura e
do Abastecimento;
k) atividades desenvolvidas no âmbito do SIVAM e SIPAM;
l) atividades técnicas especializadas no âmbito de projetos previstos no plano
plurianual.
Os Municípios que queiram contratar servidores temporários teriam de
estabelecer, por suas leis próprias, as hipóteses em que essa contratação seria
possível e o regime jurídico em que a mesma se daria. Da mesma forma que a
União providenciou, conforme a lei mencionada acima. Mas a maioria dos
Municípios nem se preocupa com isso.
II - as que são exercidas em caráter permanente, mas não são cargos de
carreira. São funções do tipo de chefia, direção e assessoramento. No caso
das Prefeituras, o Prefeito pode nomeá-los, ou substituí-los livremente, mas
estas funções são exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargos efetivos, e aqueles nomeados para exercer tal função fazem jus a uma
gratificação de função. Por evidência, quando se diz que o Prefeito pode
nomear livremente, entende-se que o ocupante tem que ser do quadro de
carreira que o servidor irá dirigir, chefiar ou assessorar. Aliás, em vários
Municípios as leis locais determinam que o Prefeito faça a sua escolha com
base numa lista tríplice de candidatos indicados pelo próprio quadro.
O art. 37, V, da Constituição Federal diz assim:
“as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes
de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos
em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento”.
Observa-se que a norma acima trata de duas atividades: função de confiança e
cargo em comissão. Enquanto as funções de confiança serão “exercidas”, os
cargos em comissão serão “preenchidos”, conforme o dispositivo de que se
trata. As funções serão exercidas porque são acréscimos de responsabilidades
do servidor que a exercer, em vista da natureza de comando ou de assessoria
que lhe foi atribuída, portanto, uma dose maior de responsabilidade em
comparação às suas atividades normais. Já os cargos em comissão são
apenas preenchidos, pois são cargos isolados, previstos na estrutura
organizacional, mas independentes dos cargos de carreira ou de provimento
efetivo.
E a norma constitucional citada deixa claro que as funções de confiança serão
sempre exercidas por servidores ocupantes de cargo efetivo. Já os cargos em
comissão, serão preenchidos, de preferência, por servidores de carreira, mas,
admite-se o preenchimento por não servidores, de acordo com os casos,
condições e percentuais mínimos estabelecidos em lei. Que lei? No nosso
caso, em lei municipal, que geralmente não existe.
Entende-se, desta forma, que a função de confiança é um encargo de direção,
chefia e assessoramento atribuído a servidor ocupante de cargo efetivo. Ou
seja, uma adição de atribuições, ou responsabilidades, àquelas que lhe são
determinadas normalmente pelo exercício do cargo que ocupa. E neste
sentido, evidente que é preciso manter uma correlação com a natureza técnica
do cargo de carreira, pois incabível seria designar estranhos para assumirem
funções de comando ao quadro. Ademais, se não houver essa estreita
correlação entre as competências do quadro e das funções de direção, chefia e
assessoramento, por certo estaríamos diante de atribuições tão distintas que a
função constituiria um novo cargo. E como já foi visto, função não é um cargo.
A função de confiança, portanto, é atribuição exclusiva do quadro de carreira,
sendo, então, designado um de seus servidores, premiado pelo seu histórico
funcional, pela experiência adquirida ao longo de sua carreira, pela capacidade
comprovada que o habilite ao exercício de uma função gerencial, incluindo
força de liderança, conhecimentos de gestão e habilidades no trato com
pessoas. Um bom Fiscal, às vezes, não será um bom chefe, pois aptidões de
chefia são inerentes à personalidade da pessoa. É preciso saber escolher, e
quem melhor para escolher do que os próprios servidores da categoria?
Enfim, a minha resposta à consulta é NÃO! Função de direção, chefia e
assessoramento de um quadro de carreira tem que ser ocupada por servidor
do quadro. Os estranhos que fiquem com os Cargos em Comissão, assim
mesmo, em termos.

Autor: Roberto A. Tauil
Julho de 2013
fonte: CONSULTOR MUNICIPAL - www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Tel: (21) 2709-8329; 2619-4161
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