De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...
Ninguém está imune à fiscalização. Atualmente, e cada vez mais, o fisco é capaz de “estar” em mais lugares ao mesmo tempo, graças ao volume cada vez maior de informações que lhe são repassadas pelos próprios contribuintes.
É
natural e lógico que, diante de um quadro de escassez de recursos, humanos e/ou
materiais, e desejos ilimitados, sejamos mais seletivos e concentremos nossos
esforços na busca por mais eficiência. É assim em economia, é assim nas
empresas e é assim na administração pública em geral, e com o fisco em
particular.
No setor público, aliás,
a busca por eficiência é uma imposição constitucional, já que a Constituição
Federal determina que a administração pública (em sentido amplo) tenha como
norte de sua atuação, dentre outros, o princípio da eficiência (art. 37).
Por essas razões é que,
em sua atividade precípua de fiscalização, o fisco concentra seus esforços nos
contribuintes com elevado potencial econômico e dotados de maior capacidade
contributiva, os quais são apelidados de “grandes contribuintes”.
Até aí nenhuma novidade.
A lógica é parecida com a utilizada para justificar, por exemplo, mecanismos de
tributação como a retenção na fonte (ex.: IRRF), a substituição tributária (ex.: ICMS) ,
a incidência monofásica (ex.: PIS/Cofins), entre outros, qual seja, a de que
vale mais a pena (é mais eficiente, sob o ponto de vista arrecadatório) imputar
a responsabilidade tributária e concentrar a fiscalização em alguns poucos
contribuintes, exatamente aqueles que mais pagam tributos, do que ter que
fiscalizar uma gama muito maior cujo peso na arrecadação é consideravelmente
inferior.
Para corroborar essa
afirmação basta verificar que, em 2015, os considerados “grandes
contribuintes”, embora representassem menos de 0,01% do total de contribuintes
cadastrados no CNPJ (Cadastro
Nacional das Pessoas Jurídicas), foram responsáveis por 61% da arrecadação
tributária total em nível federal. Esses dados constam no Plano Anual da
Fiscalização para o ano-calendário de 2016, no qual a Receita Federal detalhou
a quantidade, principais operações fiscais e valores esperados de recuperação
de crédito tributário para este ano, e divulgou os resultados de 2015.
Ainda de acordo com o
relatório, os procedimentos de fiscalização externa (sem incluir malhas) da
Receita Federal, em 2015, possibilitaram a constituição de um crédito
tributário superior a R$ 121 bilhões. Desse total, as empresas sujeitas ao
regime do Simples Nacional (que pode abranger até 08 tributos)
foram autuadas em R$ 116 milhões, o equivalente a apenas 0,1% do total do
crédito tributário lançado, enquanto que as autuações contra os denominados
“grandes contribuintes” foram de aproximadamente R$ 94,3 bilhões (77,88% do
total do crédito tributário lançado).
O volume de arrecadação,
de certa forma, também contribui para justificar a pouca atenção dispensada
pela Receita Federal às empresas optantes pelo Simples Nacional. Em 2015, o total arrecadado pelas
empresas na sistemática do Simples foi de pouco mais de R$ 69 bilhões (sendo R$
53,4 bilhões de tributos federais e R$ 47,3 bilhões de ICMS/ISS), valor baixo
em comparação com o total arrecadado de R$ 1,22 trilhão em tributos federais.
Contudo, as constatações
acima não podem levar ao falso entendimento de que as micro e pequenas empresas
estão imunes ou pouco sujeitas à fiscalização e eventual autuação pela Receita
Federal ou pelos órgãos fazendários estaduais e municipais.
Pelo contrário.
Atualmente, e cada vez mais, o fisco é capaz de “estar” em mais lugares ao
mesmo tempo, graças ao volume cada vez maior de informações que lhe são
repassadas pelos próprios contribuintes, através das inúmeras obrigações
acessórias que são obrigados a cumprir, e às modernas ferramentas tecnológicas
que permitem o rápido cruzamento de dados, a automática identificação de
inconformidades e a imediata atuação no sentido da exigência de eventual
crédito tributário devido.
Exemplo dessa realidade
pode ser vista no já citado Plano Anual da Fiscalização para o ano-calendário
de 2016, no qual a Receita Federal menciona que identificou inconsistências em
quase 19 mil declarações de empresas do Simples, indicando possíveis diferenças
entre a receita bruta declarada e o total das notas fiscais emitidas. Em
montantes globais essa diferença chegaria a R$ 10 bilhões.
Diante dessas
inconsistências, foram enviados comunicados que ficarão disponíveis no portal
do Simples Nacional até o dia 20/04/2016, convidando os
contribuintes para a autorregularização, o que se recomenda fazer para evitar
cobrança de multas de ofícios sobre eventuais valores devidos.
A intenção é reforçar a
atenção dos proprietários de micro e pequenas empresas do Simples Nacional para essa realidade, já não tão nova
assim, e conscientizá-los da importância de não descuidarem de seus controles e
registros contábeis, fiscais e financeiros, a fim de evitarem autuações e
transtornos desnecessários. Afinal, assim como o sol, a fiscalização tributária
“nasce” para todos!
Como se não bastasse,
além de ser obrigatória para todas as entidades, independentemente da sua
natureza e seu porte, a manutenção da escrituração contábil em dia, pode trazer
outros benefícios para as empresas optantes pelo Simples Nacional e seus sócios.
Sem querer esgotar o
assunto, o principal e mais imediato benefício é a possibilidade de
distribuição, com isenção de imposto de renda, da totalidade do lucro apurado
contabilmente, que, dependendo do caso, pode ser maior do que o lucro passível
de distribuição (isento de IR) pela empresa que não mantém sua escrituração
contábil em dia.
Isso porque, de acordo
com a legislação vigente, a empresa que não possui escrituração contábil
regular pode distribuir lucros isentos de imposto de renda, mas somente até o limite calculado com
base nos percentuais de presunção constantes no art. 15 da Lei 9.249/95, que
são os mesmos utilizados pelas pessoas jurídicas que tributam seus resultados
pelo regime do lucro presumido.
Além disso, com o passar
do tempo espera-se que a empresa cresça e prospere, objetivo de todo
empresário. A manutenção de controles e registros contábeis, fiscais e
financeiros adequados, pode facilitar e beneficiar a empresa nessa fase de
transição, quando poderá ser obrigada a optar por outro regime tributário
compatível com seu porte e faturamento (lucro presumido ou lucro real) .
Por fim, uma empresa
organizada contábil e financeiramente falando, pode ser melhor valorada em um
eventual processo de venda, beneficiando diretamente os maiores interessados,
que são seus sócios.
Nesse assunto vale a
popular máxima de que o barato sai caro, e a eventual “economia” feita no
presente com o sacrifício da organização contábil, tributária e financeira da
empresa será perdida no futuro. E, mais cedo ou mais tarde, a conta irá chegar,
com juros, correção monetária e multa.
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Gustavo Querotti e Silva Advogado(a) |
Advogado. Especialista
em Direito Tributário.
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