De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...
Os
leitores que me acompanham sabem das minhas posições sempre na defesa
intransigente dos direitos do contribuinte. Essa defesa, contudo, pauta-se no
juramento que fiz como advogado, acima destacado.
No exercício de minha profissão principal e também como
jornalista, acompanho o que ocorre nos meios fazendários. Fiz dois concursos em
que fui aprovado, um no fisco federal e outro no estadual, este homologado em
1979 e cuja nomeação só saiu em 1983. Na entrevista aqui publicada em 17 de outubro de 2014,
quando lancei o livro que leva o nome desta coluna, expliquei as razões pelas
quais preferi ficar na advocacia.
O concurso de agente fiscal de rendas do estado de São Paulo,
realizado em 1979, veio depois de mais de 10 anos sem que a administração
fazendária adotasse providências para preencher as vagas surgidas no período.
Com tal omissão, reinava no setor verdadeiro caos.
A sonegação era facilitada pela precariedade da fiscalização.
Notas fiscais eram manuais, guias datilografadas, livros fiscais feitos
manualmente e para qualquer assunto o contribuinte deveria dirigir-se à
repartição! Enfim, era um campo fértil para irregularidades de todos os lados.
Ora, servidores do Fisco, em todos os seus níveis, são
indispensáveis ao funcionamento da estrutura fazendária, sem a qual o país não
funciona.
No momento atual registra-se queda de arrecadação de todos os
níveis, reflexo óbvio da nossa situação econômica. Essa situação, contudo, não
é da responsabilidade dos fiscais. Ao contrário, exerciam suas tarefas de forma
adequada até recentemente.
Critico sempre que entendo exagerados os abusos do Fisco. Várias
vezes recebi reclamações de leitores que julgaram essas críticas muito ácidas.
Todavia, sempre respeitei meus ex-colegas, os fiscais, dentre os quais tenho a
alegria de contar com alguns amigos. Quanto às críticas dos leitores, são
sempre bem vindas por me ajudarem.
Mas, para observar a ética e procurar a Justiça, devo reconhecer
que aqueles abusos na maioria dos casos decorrem de uma legislação de péssima
qualidade, onde o Executivo ignora as normas constitucionais em vigor e pensa
que pode legislar por portarias, alterar as leis por decretos e praticar tantas
outras besteiras.
Como já escrevi nesta coluna em 10 de fevereiro de 2014:
Contribuintes e seus representantes não podem ser covardes e,
menos ainda, cúmplices de atos ilícitos. Quem tiver vocação para a omissão e o
acomodamento, não deve se tornar servidor público, pois essa carreira envolve
alta responsabilidade e é valorizada não só pelo que representa para o país,
mas principalmente pela qualidade de seus integrantes, submetidos a rigorosos
concursos.
Ora, como a imprensa tem noticiado, tanto o Fisco federal quando
o estadual estão praticamente em greve. Repartições alfandegárias paralisam a
liberação de mercadorias tanto na importação quanto na exportação, com óbvios
prejuízos para todas as empresas, inclusive transportadoras e com isso a
arrecadação cai mais ainda.
O Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo
(Sinafresp) faz um trabalho sério e eficiente de reivindicações. Destas, boa
parte é óbvia: recomposição das perdas salariais face à inflação. Talvez para
outras este não seja o momento de serem examinadas.
Os salários desses servidores não são exagerados, mas
encontram-se na media de profissionais dessa área e com tais experiências. Na
semana passada, um ilustre advogado disse-me que o fiscal tem salário maior do
que o que ele ganha. Sugeri ao colega que faça um concurso...
Se há falta de dinheiro para o governo, quem deu causa a tal
situação que a resolva. Não vamos mencionar a origem dessa falta: notícias
sobre corrupção, obras desnecessárias, inacabadas etc.
Uma boa solução para tal problema pode ser a suspensão ou
redução drástica do pagamento dos juros da dívida pública aos bancos ou o uso
das reservas financeiras a isso destinadas, seja pelo governo estadual ou
federal.
A chamada securitização da dívida pública parece ser uma via
adequada. Isso, aliás, talvez seja agora mais viável, com a posse do novo
Secretário da Fazenda, profissional de alto nível, com títulos acadêmicos e
principalmente experiência internacional nessas questões.
Os contribuintes, cujos direitos defendo como profissional da
área, devem ter em conta que o servidor público também é seu cliente, pois
também consome, tem família para sustentar e filhos a educar.
Numa sociedade justa e fraterna, nenhum cidadão pode imaginar
que sua felicidade possa ser alcançada à custa do sacrifício do próximo.
Parabéns ao Sinafresp e aos nossos ex-colegas. Mas, por favor,
mantenham o elevado nível de seus títulos acadêmicos, para que a luta os
mantenha honrados!
Raul
Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética
e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Revista Consultor
Jurídico, 12 de setembro de 2016, 8h02
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