De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...
ISS: O conceito de resultado e a exportação
de serviços
Por Guilherme
Chambarelli Neno
Nas últimas semanas, a Secretaria de
Finanças do Município de São Paulo editou o Parecer
Normativo nº 2, para determinar a incidência de ISS sobre a
exportação de serviços. Publicamos neste blog a notícia no dia 28 de abril.
No que diz respeito à exportação de
serviços, o art. 2º, I, da Lei Complementar
nº 116/2003 dispõe que o ISS não incide sobre a exportação de
serviços para o exterior do País, e complementa no parágrafo único afirmando
que não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no
Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por
residente no exterior:
Art. 2o O imposto
não incide sobre:
I – as exportações
de serviços para o exterior do País;
(…)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços
desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o
pagamento seja feito por residente no exterior.
A Lei Municipal de
São Paulo nº 13.701/2003, em sintonia com a legislação federal,
possui redação idêntica no que se refere a não incidência do ISS na exportação
de serviços.
Como se pode observar, o que as
referidas leis fizeram foi definir o que não seria exportação de serviços,
sendo assim, para entender o conceito de exportação de serviços, é necessário
inverter a frase. Ou seja, esta ocorrerá quando o serviço for desenvolvido no
Brasil e o resultado for percebido no exterior.
O que o Parecer
Normativo da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo nº 2 de 2016 fez
foi considerar resultado como a conclusão do próprio serviço. O Art 1º assim
dispõe:
Art. 1º
Considera-se “resultado”, para fins do disposto no parágrafo único do artigo 2º
da Lei nº 13.701 , de 24 de dezembro de 2003, a própria realização da atividade
descrita na lista de serviços do artigo 1º da Lei nº 13.701 , de 24 de dezembro
de 2003, sendo irrelevante que eventuais benefícios ou decorrências
oriundas dessa atividade sejam fruídos ou verificados no exterior ou por
residente no exterior.
1º O resultado aqui se verifica
quando a atividade descrita na referida Lista de Serviços se realiza no Brasil.
2º Não se considera exportação de
serviço a mera entrega do produto dele decorrente, tais como relatórios ou
comunicações, bem como procedimentos isolados realizados no exterior que não
configurem efetiva prestação dos serviços no território estrangeiro.
3º No caso de serviços de duração continuada, considera-se
proporcionalmente realizada a prestação dos serviços com o cumprimento da sua
etapa mensal.
Como se pode observar, o Parecer
Normativo ignorou a hipótese de os benefícios do serviço serem fruídos no
exterior ou por residente no exterior e fez de considerar resultado como a
própria realização do serviço.
A crítica que a medida do Município
de São Paulo recebeu reside justamente no que se refere ao conceito de
resultado que foi adotado.
Como já dito, o conceito seguido foi
o de conclusão do serviço. Por sinal, o Superior Tribunal de Justiça já se
posicionou no mesmo sentido, no famoso caso de uma empresa localizada no
Município de Petrópolis – RJ que realiza manutenção de turbinas de avião. Veja
a ementa do REsp 831.124, que julgou a demanda:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO.
SERVIÇO DE RETÍFICA, REPARO E REVISÃO DE MOTORES E DE TURBINAS DE AERONAVES
CONTRATADO POR EMPRESA DO EXTERIOR. EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO.
SERVIÇO EXECUTADO DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 2º,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº LC 116/03. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. SÚMULAS 282/STF E
211/STJ. 1. Tratam os autos de mandado de segurança preventivo impetrado por GE
CELMA LTDA. com a finalidade de obstar eventual ato do Secretário Municipal de
Fazenda de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, que importe na cobrança de
ISSQN sobre prestação de serviços consubstanciada em operações de retificação,
reparo e revisão de motores e turbinas de aeronaves, contratadas por empresas
aéreas do exterior. Sentença denegou a segurança. Apelação da impetrante, tendo
o TJRJ negado-lhe provimento ao entendimento de que: a) o mandado de segurança
não alberga pedido genérico; b) não é inconstitucional a regra posta na LC
116/03, tendo incidência o disposto no seu art. 2º. Recurso especial apontando
violação dos seguintes preceitos legais: arts. 535, I e II, 282 e 283 do CPC;
arts. 1º e 6º da Lei 1.533/51; art. 2º, I, da LC nº 116/03. Sustenta que: a) o
acórdão é nulo, haja vista não ter suprido as omissões argüidas mesmo após a
oposição dos embargos de declaração, mais especificamente em relação à violação
dos arts. 1º e 6º da Lei 1.533/51, 282 e 283 do CPC, bem assim quanto à
diferenciação entre o local da prestação dos serviços e o do resultado dos
serviços, critério esse eleito pela LC nº 116/03; b) o decisum é nulo por
omissão quanto à adequação da via eleita, deixando de formular fundamento que
legitimaria tal conclusão; c) a assertiva contida no acórdão recorrido (pedido
genérico) é manifestamente contrária às provas pré-constituídas que
acompanharam a exordial do mandado de segurança, sendo conflitante com o
disposto nos arts. 1º e 6º da Lei 1.533/51. Igualmente se diga do disposto nos
arts. 282 e 283 do CPC; d) embora o serviço de retífica de motores
seja realizado no território nacional (local da prestação), trata-se de efetiva
exportação de serviços, tal qual tratada pelo art. 2º, inciso I, da LC
116/03, na medida em que a prestação de serviços somente se conclui
com o pagamento dos valores devidos que, por conseguinte, apenas se perfaz
quando os clientes verificam o resultado do serviço encomendado.
Interposto concomitantemente recurso extraordinário. Ambos os apelos não foram
admitidos, tendo sido manejados agravos de instrumentos para o STJ e STF. O
agravo dirigido a esta Corte foi provido. (…) 4. Nos termos do art. 2º, inciso
I, parágrafo único, da LC 116/03, o ISSQN não incide sobre as exportações de
serviços, sendo tributáveis aqueles desenvolvidos dentro do território nacional
cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por
residente no exterior. In casu, a recorrente é contratada por empresas do
exterior e recebe motores e turbinas para reparos, retífica e revisão. Inicia,
desenvolve e conclui a prestação do serviço dentro do território nacional,
exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de
testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à sua instalação nas
aeronaves. 5. A Lei Complementar 116/03 estabelece como condição para que haja
exportação de serviços desenvolvidos no Brasil que o resultado da atividade
contratada não se verifique dentro do nosso País, sendo de suma importância,
por conseguinte, a compreensão do termo “resultado” como disposto no parágrafo
único do art. 2º. 6. Na acepção semântica, “resultado” é conseqüência, efeito,
seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no
Brasil, ele não poderá aqui ter conseqüências ou produzir efeitos. A contrário
senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em
qualquer outro País. É necessário, pois, ter-se em mente que os verdadeiros
resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação. 7.
O trabalho desenvolvido pela recorrente não configura exportação de serviço,
pois o objetivo da contratação, o resultado, que é o efetivo conserto do
equipamento, é totalmente concluído no nosso território. É inquestionável a
incidência do ISS no presente caso, tendo incidência o disposto no parágrafo único,
do art. 2º, da LC 116/03: “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços
desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o
pagamento seja feito por residente no exterior.” 8. Recurso especial
parcialmente conhecido e não-provido (STJ – REsp: 831124 RJ 2006/0052272-7,
Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 15/08/2006, T1 – PRIMEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJ 25.09.2006 p. 239)
O que se pode concluir é que tal
entendimento confunde os conceitos de prestação de serviço e resultado,
tratando-as como se a mesma coisa fosse. Neste sentido, bom é lembrar a redação
do parágrafo único art. 2º da Lei Complementar nº 116/2003:
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os
serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se
verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
Como se pode observar, a própria
legislação segregou os conceitos de serviço e resultado. A interpretação que a
redação oferece é que o serviço pode ser prestado no Brasil e ter seu resultado
observado no exterior. No entanto, se utilizado o conceito de que resultado é a
conclusão do serviço, ambos estarão sempre juntos e não haverá hipótese de
serviço prestado no Brasil e com resultado no exterior.
Assim, para esta corrente, para haver
exportação de serviços, a prestação também deverá ocorrer no exterior. Tal
hipótese não parece nem um pouco razoável. Outrossim, cumpre destacar que neste
caso não haverá incidência do ISS, só que não por conta da isenção, mas sim por
força do princípio da extraterritorialidade, já que o serviço foi prestado fora
do território nacional.
Importa salientar que o
posicionamento da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo diverge do
Tribunal de Justiça do próprio Estado, que já vem adotando o conceito de que
resultado é a fruição, pelo tomador, do objeto material ou intelectual da
prestação. Vejamos as ementas abaixo:
Apelação. Repetição
de Indébito Tributário. Empresa química e farmacêutica. Exportação de serviços
de pesquisa para empresas do mesmo grupo econômico localizadas no exterior.
Cláusula de exclusividade na fruição do serviço pela TOMADORA. Inteligência dos
art. 156, § 3º, II da CF e art. 2º, I e par. único da LC 116/03. Dúvida sobre o
conceito de ‘resultado’. Aplicação de métodos jurídicos de interpretação. Resultado
que deve ser entendido como “fruição”, com o aproveitamento ou efeito do
serviço (proveito econômico) exclusivamente no exterior, tomando-se por
base o objeto do contrato e a finalidade do serviço para o tomador (aspecto
subjetivo). Hipótese de isenção configurada. Declarada nulidade do lançamento
tributário. Indébito caracterizado. Repetição do Indébito devido. Decisão
reformada. Recurso provido. (TJ-SP – APL: 00381102620118260053 SP
0038110-26.2011.8.26.0053, Relator: Henrique Harris Júnior, Data de Julgamento:
14/08/2014, 14ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação:
18/08/2014)
APELAÇÃO Ação declaratória de inexistência de relação jurídica
tributária Autora/apelante exporta serviços de assessoria e consultoria
financeira e de gestão de carteira de investimentos a clientes domiciliados no
exterior. Assim, tal atividade se enquadra no disposto previsto inciso I do
art. 2º da Lei Complementar nº 116/03 Deram provimento ao recurso, com inversão
dos ônus da sucumbência. (TJ/SP, Processo nº 0057880-68.2012.8.26.0053, 18ª
Câmara de Direito Público, Rel. Des. Osvaldo Capraro.)
A doutrina, por seu turno, também
endossa o entendimento, é o caso de Kiyoshi Harada[1], que leciona que “exportação de serviço
só pode significar a realização de um determinado serviço aqui para surtir
efeito no estrangeiro”. Observa-se que houve a adequada segregação entre os
conceitos serviço e resultado, quer dizer, pode ocorrer do serviço ser prestado
no Brasil e ter seu resultado percebido no exterior.
Em igual tom, Roque Antonio Carrazza afirma que “a
expressão ‘cujo resultado aqui se verifique’ tem acepção de local onde ocorre a
fruição do serviço, ou seja, o local onde ele é utilizado”. Ou seja, local do
resultado é aquele onde o mesmo é utilizado e não concluído, que foi o
entendimento do Município de São Paulo.
No julgamento do REsp 831.124, já
mencionado acima, o então ministro do STJ Teori Zavascki, voto vencido no caso,
afirmou “que não se pode confundir resultado da prestação de serviço com
conclusão do serviço”.
Sendo assim, o que se pode concluir é
que o Parecer Normativo se demonstrou totalmente equivocado, contrariando não
somente a doutrina e jurisprudência mais moderna, mas também a política de
desoneração das exportações para tornar os produtos e serviços brasileiros mais
competitivos no exterior, equilibrar a balança comercial e favorecer o ingresso
de divisas.
[1] HARADA,
Kiyoshi. ISS. Exportação de serviços para o exterior do país. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 76, maio 2010. Disponível em:
.
Acesso em maio 2016.
Sobre Guilherme
Chambarelli
Guilherme
Chambarelli é advogado tributarista e aduaneiro no Lins, Homem de Carvalho
& Pizzolante Advogados Associados (LHCP Advogados). Cursando pós-graduação
(LL.M) em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito
Aduaneiro pela AVM Faculdade Integrada (conveniada a Cândido Mendes). Bacharel
em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Extensão em Planejamento Tributário
pelo Ibmec. Membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).
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