De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...
Por
Igor Mauler Santiago

E o tema não poderia ser mais oportuno, por versar
uma das duas ferramentas maiores — a outra é a Constituição — de todos os que
labutamos profissional ou academicamente com o Direito Tributário.
O Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de
outubro de 1966) completa este ano cinco décadas de inestimáveis serviços
prestados ao Direito brasileiro. Monumento legislativo de cuja elaboração
participaram, entre outros, Rubens Gomes de Sousa, Aliomar Baleeiro e Gilberto
de Ulhôa Canto, o CTN será, ao lado da Emenda Constitucional 18/65, para sempre
reconhecido como um marco na racionalização da produção e da interpretação do
Direito Tributário no país.
Redigido de forma precisa e tersa, rarissimamente
contestado em sua validade, o CTN faz por merecer a reverência que lhe prestam
os nossos melhores juristas e a centralidade que mantém nos debates tributários
acadêmicos e jurisdicionais.
Reconhecê-lo não significa, entretanto, negar a
ação do tempo. Mesmo o Code Napoléon — quintessência da
codificação, que um dia mereceu tratamento quase sagrado — acaba de sofrer
radical reforma quanto ao Direito dos Contratos e das Obrigações, por força da Ordonnance de
10 de fevereiro de 2016.
Também o CTN, moderno para a sua época,
desatualizou-se, não tendo bastado para impedi-lo as intervenções que lhe
fizeram, principalmente, as leis complementares 104/2001 e 118/2005.
Alguns exemplos o demonstram. Inicie-se pelo Livro
I, intitulado Sistema Tributário Nacional:
· o conceito de
tributo do artigo 3º, de cunho universalizante (“tributo é toda prestação...”),
negligencia o caráter não tributário de exigências como os royalties do
petróleo, da mineração e da geração de energia hidrelétrica, entre outras;
· as disposições
sobre a natureza jurídica específica dos tributos (artigos 4º e 5º) deixam de
fora as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios, que o STF erige
em espécies autônomas — com isso, cumprindo de modo deficiente a disposição do
artigo 146, inciso III, alínea a, da Constituição de 1988;
· os comandos
relativos aos princípios e às imunidades tributárias (artigos 9º a 15), além de
majoritariamente despiciendos — por tratarem de questões que se esgotam no
nível constitucional — e defasados em relação à redação atual da Carta,
revelam-se incompletos naquilo que deveriam disciplinar, como os requisitos
para o gozo da imunidade de contribuições para a seguridade social (artigo 195,
parágrafo 7º, da Constituição);
· as regras sobre os
impostos individualmente considerados (artigos 19 a 76) (i) não abrangem
aqueles tratados em leis extravagantes (como o ICMS — Lei Complementar 87/96, e
o ISS — Lei Complementar 116/2003) e os não tratados em lei alguma (caso do
IPVA); (ii) regulam impostos hoje inexistentes (como os impostos federais sobre
transportes e comunicações — artigos 68 a 70, e sobre combustíveis,
lubrificantes, energia elétrica e minerais — artigos 74 e 75) ou cindidos entre
diversos entes (como o imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens
imóveis e direitos a eles relativos — artigos 35 a 42) — o que representa um
cumprimento incompleto do comando do artigo 146, inciso III, alínea a, in
fine, da Constituição;
· todo o Título VI do
Livro I (Distribuição das Receitas Tributárias — artigos 83 a 95) cuida de
matéria financeira, e não tributária, que estaria melhor em outros diplomas
normativos.
Deficiências ainda mais severas, devido à maior
abrangência das regras que traz, encontram-se no Livro II – Normas Gerais de
Direito Tributário:
· inteira omissão
quanto aos critérios estabelecidos nos artigos 146, inciso III, alínea c (adequado
tratamento tributário ao ato cooperativo) e 146-A da Constituição (prevenção de
desequilíbrios concorrenciais);
· inexistência de
regras gerais sobre processo tributário administrativo e sanções fiscais, o que
dá ensejo a uma verdadeira babel federativa quanto a esses temas, com a
complexificação do sistema para contribuintes que atuam em escala nacional e a
multiplicação de disposições abusivas. Basta lembrar que hoje existem quatro
recursos extraordinários com repercussão geral sobre multas tributárias
aguardando julgamento no STF[1];
· incerteza em
relação ao alcance do parágrafo único do artigo 116 — que permite a
desconsideração dos atos praticados para dissimular o fato gerador — e, de toda
forma, ausência de um tratamento mais detalhado da elisão tributária, em linha
com a tendência internacional;
· insuficiência da
disciplina da responsabilidade tributária na modalidade substituição tributária
para a frente e para trás: critérios para a fixação da base de cálculo,
tratamento das diferenças entre a base presumida e a real, efeitos sobre o
direito de crédito nos tributos não cumulativos etc.;
· insuficiência da
disciplina da responsabilidade tributária na modalidade transferência. Cuida-se
de um dos pontos a merecer maiores intervenções. Basta lembrar que o CTN não
trata dos efeitos da cisão de empresas (artigo 132) e que não enumera pessoas
jurídicas entre os terceiros responsáveis dos artigos 134 e 135, estando toda a
construção da desconsideração da responsabilidade jurídica no campo fiscal
baseada no artigo 50 do Código Civil. Tema correlato também negligenciado pelo
código, e objeto de elaboração jurisprudencial autônoma, é o das formas e
prazos para o redirecionamento da execução fiscal para terceiros;
· instauração de
responsabilidade pretensamente objetiva por infrações fiscais (artigo 136), em
franca desarmonia com a Constituição de 1988;
· falta de uma
regulamentação suficiente da compensação tributária, que a tornasse invocável
diretamente pelo contribuinte, mesmo à falta de lei do ente político
interessado;
· tratamento
contraditório da imputação e da consignação do pagamento, e laconismo da
disciplina desta última. Já tratamos do tema em nossa coluna e em artigo específico;
· invalidade do
artigo 169, parágrafo único, que determina a fluência da prescrição no curso de
ação anulatória movida pelo contribuinte, sem desídia deste;
· caráter assistemático
do capítulo da Fiscalização (artigos 194 a 200), com regência em lei
extravagante (a Lei Complementar 105/2001) do tema central relativo à quebra
administrativa de sigilo bancário;
· anacronismo do
capítulo sobre as Certidões Negativas (artigos 205 a 208), há muito superado
pela jurisprudência do STJ que permite ao particular a antecipação da garantia
em ação preparatória, sem suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Os pontos acima — não isentos de polêmica, decerto
— dão uma ideia da amplitude das modificações que se fazem necessárias, a
recomendar a elaboração de um novo código ou, no mínimo, uma amplíssima reforma
Lei 5.162/66.
Bons nomes para uma comissão encarregada desse
anteprojeto de lei não faltariam, entre ministros ativos ou aposentados do STF
e do STJ, advogados públicos e privados com notória experiência na área
tributária, acadêmicos, julgadores administrativos, autoridades fiscais e experts de
outras áreas que guardem afinidade com o fenômeno tributário, como a Teoria
Geral do Direito, o processo civil, o Direito Administrativo e o Direito
Falimentar.
[1] Tema 487. Caráter confiscatório da “multa
isolada” por descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever
instrumental.
Tema 736. Constitucionalidade da multa prevista no artigo 74, parágrafos 15 e 17, da Lei 9.430/96 para os casos de indeferimento dos pedidos de ressarcimento e de não homologação das declarações de compensação de créditos perante a Receita Federal.
Tema 863. Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.
Tema 872. Constitucionalidade da exigência de multa por ausência ou atraso na entrega de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, prevista no artigo 7º, inciso II, da Lei 10.426/2002, apurada mediante percentual a incidir, mês a mês, sobre os valores dos tributos a serem informados.
Tema 736. Constitucionalidade da multa prevista no artigo 74, parágrafos 15 e 17, da Lei 9.430/96 para os casos de indeferimento dos pedidos de ressarcimento e de não homologação das declarações de compensação de créditos perante a Receita Federal.
Tema 863. Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.
Tema 872. Constitucionalidade da exigência de multa por ausência ou atraso na entrega de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, prevista no artigo 7º, inciso II, da Lei 10.426/2002, apurada mediante percentual a incidir, mês a mês, sobre os valores dos tributos a serem informados.
Igor Mauler
Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados,
mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG.
Fonte Revista Consultor
Jurídico, 6 de julho de 2016, 8h05
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