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A JUSTIÇA, O PODER DE POLÍCIA E O ALVARÁ DE ESTABELECIMENTO

  De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.

O LANÇAMENTO FISCAL POR ARBITRAMENTO



O LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO – PRÁTICAS FISCAIS MUNICIPAIS



Conceitos gerais
O art. 148 do Código Tributário Nacional trata do arbitramento fiscal. Vamos transcrevê-lo:
“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”.
A redação acima nos permite algumas conclusões:
A – O arbitramento nada mais é do que uma técnica de lançamento de ofício;
B – Trata-se de uma técnica utilizada para avaliar a base de cálculo do tributo, quando se referir ao valor ou preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos;
C – Que poderá ser utilizada quando inexistir os documentos ou declarações do contribuinte, ou, quando existirem, estes não mereçam fé;
D – Que a base de cálculo arbitrada sempre poderá ser contestada, administrativa ou judicialmente, pelo contribuinte.
O lançamento por arbitramento é uma técnica extrema, a ser aplicada quando não há outra alternativa. Mas tem a sua razão de ser, caso contrário, bastaria o contribuinte recusar-se a entregar a documentação requerida pelo Fisco, e o tributo devido não ser lançado por ausência do histórico documental. Por certo, pagaria uma multa pelo descumprimento da obrigação acessória, mas não pagaria o tributo por não haver o lançamento correspondente.
Por ser uma técnica extrema, o arbitramento não deve ser utilizado à larga. Deve-se evitá-lo sempre que possível, aproveitando-se os dados fornecidos, mesmo que incompletos ou percebidas algumas falhas que possam ser sanáveis.
A não apresentação de um contrato, a escrita atrasada, a incorreção de um lançamento contábil, a ausência de explicação razoável sobre uma nota fiscal cancelada, a não apresentação dos extratos bancários do contribuinte, a inadimplência temporária no pagamento de tributo, enfim, carências que o Auditor pode relevar por não perder, em função de suas inexistências, os critérios norteadores que o induza ao lançamento.  
Sacha Calmon descreve os pressupostos e requisitos que ensejam o arbitramento. Abaixo, alguns deles:
- ausência de escrita ou de documentação que lastreie (a isso estando equiparada a recusa em informar ou entregar documentação por parte do contribuinte ou de terceiro obrigado);
- prévia desonestidade do sujeito passivo nas informações prestadas ou na elaboração da escrita, abalando-se a crença nos dados por ele oferecidos a par de documentação imprestável eivada de falsidade;
- utilização, pela Administração, de quaisquer meios probatórios, desde que razoáveis e assentados em presunções tecnicamente aceitáveis (preços estimados segundo o valor médio alcançado no mercado local daquele ramo industrial ou comercial – pauta de valores; ou índice de produção pautado em valores utilizados, em período anterior, no desempenho habitual da empresa-contribuinte que sofre o arbitramento etc.).
Ausência total de documentação ou daqueles documentos que seriam considerados fundamentais, sem os quais seria impossível apurar a base de cálculo, esta causa não exige maiores explicações. Contudo, mais complexa é a prévia percepção da desonestidade do contribuinte, com evidências, e não meras suspeitas, da prática da simulação. Presumir atos ilícitos necessita de provas materiais consubstanciadas em fatos.
Neste sentido, o Auditor Tributário Municipal, quando exerce suas funções em relação ao Imposto sobre Serviços – ISS, pode ter, realmente, sérias dificuldades em assumir que o único caminho a ser adotado em determinado caso será o arbitramento. Não tanto pela falta de documentação imprescindível na apuração da base de cálculo, algo relativamente fácil de constatar, mas, sim, por não ter provas materiais da fraude cometida pelo contribuinte, que seria o segundo motivo. Por diversas vezes, o Auditor percebe, sente o cheiro da fraude, sabe que ela aconteceu, que o cara está sonegando, mas não consegue provar.
Disse Aliomar Baleeiro que a invocação do art. 148 do CTN somente é cabível quando o sujeito passivo for omisso, reticente ou mendaz em relação à base de cálculo do tributo. Pois bem, o problema é chegar à conclusão de que o sujeito é mendaz (mentiroso, hipócrita, falso), e apresentar evidências que comprovem tal “qualidade” do sujeito.
Outro aspecto que não deve ser esquecido é que o arbitramento se aplica a fatos já ocorridos e que leve ao cálculo de tributo devido. Todavia, não há impedimento quando a lei estabelece uma estimativa de base de cálculo para eventos futuros quando a atividade exercida pelo contribuinte carece de elementos capazes de assegurar a evidência material da qual se origina a base de cálculo de determinado tributo. No caso do ISS temos vários exemplos, como o transporte urbano de passageiros, estacionamento, reproduções xerográficas, borracharias etc. Em tais situações, o Fisco pode determinar um valor estimado de base de cálculo e, consequentemente, o valor do imposto a pagar, dispensando o contribuinte de apresentar documentação que ateste o valor presumido. Não se deve esquecer, porém, que o contribuinte tem pleno direito de impugnar a base de cálculo estimada, podendo apresentar provas de que ela foi superestimada.
Não dizer, assim, que a estimativa dispensa o contribuinte de suas obrigações de contabilização dos seus atos, de escriturar os livros fiscais e contábeis obrigatórios e manter as formalidades exigidas. A estimativa dispensa, apenas, que os apresente ao Fisco. Na verdade, o lançamento por estimativa é um facilitador, substituindo o lançamento por homologação por um lançamento de ofício.
A estimativa, porém, tem certos limites. Uma atividade que tem todas as condições de cumprir suas obrigações acessórias (como emitir notas fiscais, por exemplo), não deveria ter a sua base de cálculo estimada. Não haveria razão para isso. Contudo, quando se constata materialmente o cometimento de fraudes na tentativa de pagar menos tributo, a dar motivo ao arbitramento dos fatos já ocorridos, pode o Fisco determinar a estimativa para eventos futuros. Por exemplo, um motel que vem fraudando a sua receita de forma contumaz, fato constatado pelo Fisco, obrigando-o a arbitrar a base de cálculo de período já ocorrido. Em tal situação, poderá o Fisco manter os valores arbitrados para frente como se fosse uma estimativa para o futuro. Mas, se nada constatado de irregular nos fatos passados, não haveria razão de estabelecer uma base de cálculo estimada para o movimento econômico que ainda irá ocorrer.
Procedimentos Fiscais
A Fiscalização nunca deve esquecer as formalidades administrativas exigidas para o exercício da ação fiscal. A Ordem de Fiscalização, determinada pela Chefia; o Termo Inicial de Fiscalização, com a Notificação ao contribuinte, pela qual este toma conhecimento que se encontra sob a ação fiscal; a Intimação, pela qual o Auditor descreve detalhadamente os documentos que deverão ser fornecidos pelo contribuinte.
Alguns cuidados devem ser tomados com a Intimação:
1º - descrever de forma clara a natureza dos documentos requeridos, para evitar interpretações subjetivas que, posteriormente, podem prejudicar o andamento do trabalho;
2º - oferecer prazo razoável para que o contribuinte cumpra a obrigação, evitando impugnações, sob a alegação de que foi cerceado o direito do contribuinte em razão do prazo exíguo oferecido, além de evitar continuados pedidos de prorrogação do prazo.
Caso o contribuinte forneça apenas uma parte dos documentos requeridos, o Auditor deve ter o cuidado de explicitá-los no Termo de Apreensão de Documentos e registrar no próprio Termo aqueles que não foram entregues e que constituem peças imprescindíveis para a apuração da base de cálculo do imposto.
Quando o contribuinte se recusa a fornecer a documentação, ou faz entrega parcial, e já tendo o Auditor prorrogado o prazo do cumprimento da obrigação, indispensável será a lavratura do Auto de Infração, conforme dispor a lei do Município. Este Auto de Infração deve relatar de forma clara que a não entrega da documentação (conforme Intimação nº tal) prejudica e cerceia o direito de fiscalizar. Este Auto de Infração poderá ser peça útil no futuro, se o caso for parar na Justiça, tornando-se uma comprovação material de recusa do contribuinte.
Importante, apesar da obviedade: lavrar a multa em nada resolve a questão. Deve-se, então, autuar e oferecer novo prazo ao contribuinte, através de Intimação. Em geral, esse novo prazo é fatal, pois se permanecer omisso o contribuinte, o único caminho será o arbitramento.
A Notificação de Lançamento por Arbitramento deverá ser entregue ao contribuinte, estabelecendo prazo para impugnação. Esse prazo também deve ser razoável. Já constatamos em legislações municipais a concessão de prazo de 5 dias e de até 2 dias! Prazos que não permitem ao sujeito passivo analisar e, se for o caso, contestar os valores arbitrados. Somos de opinião que o prazo não deve ser inferior a 15 dias, oferecendo, assim, tempo suficiente ao contribuinte e seus contadores e advogados de decidirem.
As técnicas de arbitramento
Uma das técnicas utilizadas pela autoridade fiscal é basear-se nas despesas correntes do contribuinte. Efetua o levantamento de todas as despesas mensais (pessoal, aluguel, luz, telefone, Previdência, tributos federais etc.), adiciona-se um percentual de lucro e calcula-se, assim, a base de cálculo do ISS. Evidente, porém, que se a empresa recusa-se em fornecer documentação ao Fisco, por certo não entregará também os documentos de despesas. Essa técnica, portanto, tem limitado campo de ação.
Um caminho é envolver o Contador no processo fiscal. O escritório contábil tem responsabilidades expressas no Direito Civil e código disciplinar a cumprir perante o CRC. Recusar-se a apresentar os livros da empresa cliente, quando requeridos formalmente pela Fiscalização, pode provocar-lhe penalidades e outras consequências danosas. Em geral, os Contadores não funcionários da empresa contribuinte, têm procurações de seus clientes que lhes dão poderes de atuar em nome deles. Ter cópia dessa procuração é item importante para o Fisco poder envolver o Contador na obrigação de entregar documentos fiscais e sociais.
Algumas atividades podem ser apuradas através de investigação mais simples, quando a fiscalização tem meios de conhecer os preços de seus serviços. Os hotéis, por exemplo, divulgam os preços de suas diárias, além de informar ao órgão federal competente os boletins de ocupação de hospedagem. Pois bem, tendo em mãos o preço das diárias, o número de apartamentos e o boletim de ocupação de hospedagem, pode o Auditor arbitrar a base de cálculo do imposto. E caso não tenha o boletim, pode estimar um percentual de ocupação, mas, desde que seja um percentual razoável.
Ao contrário do comércio e indústria, quando o Auditor pode calcular a receita de venda pelo volume de estoque de mercadorias ou de matéria-prima, a atividade de serviços não possui, geralmente, estoque, a não ser quando ao serviço prestado são adicionados alguns materiais. Somente em situações especiais e peculiares o Auditor pode lançar mão de compra de materiais para ter uma ideia do volume de serviços prestados. Caso a empresa necessite de determinado material, indispensável para prestar o serviço, o levantamento do volume de compra desse material pode ser um item importante para avaliar a receita da empresa.
Certa vez, um Auditor arbitrou a receita de uma Auto Escola, pelo número de veículos existentes para treinamento. De outra vez, um Auditor apurou a média da receita de um laboratório de radiografias de pulmão, graças às notas fiscais de compra de filmes radiográficos conseguidas no fornecedor do laboratório.
E não podemos esquecer o velho chavão: “siga o dinheiro”. Estamos cientes de que alguns Municípios estão conseguindo informações de pagamentos por meio de cartões de crédito. Alguns através das próprias operadoras de cartões magnéticos, outros através de convênios com a Fazenda Estadual ou com a Receita Federal. Não podemos esquecer que, atualmente, a maioria dos tomadores de serviços paga aos prestadores por meio de cartão.
Outros Municípios tentam obter informações dos extratos bancários do contribuinte, agindo diretamente nos Bancos onde ele tem conta. Apesar da decisão recente da licitude de obter tais informações, os Bancos ainda relutam em fornecê-las sob a alegação do sigilo fiscal. Para lembrar, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar n. 105/2001, que diz o seguinte:
Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Como se vê, havendo processo administrativo instaurado, os Municípios, também, poderão examinar as contas de depósitos dos correntistas do Banco.
E por último, não deve o Auditor esquecer que arbitrar a receita de um contribuinte não significa castigo. O arbitramento deve ser o mais razoável possível. E sempre muito bem fundamentado no processo administrativo.
Autor:  Roberto A. Tauil – Maio de 2016

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