De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...
Não deve incidir ISS sobre contratos de franquia
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem proferido reiteradas decisões no sentido de afastar a incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) no que se refere aos royalties recebidos por meio de contratos de franquia. O referido Tribunal firmou entendimento de que esse tipo de contrato não envolve, na essência, pura obrigação de fazer, mas variadas relações jurídicas entre franqueador e franqueado, afastando-se do conceito constitucional de serviços.
A polêmica sobre a incidência ou não do imposto municipal surgiu com toda força com a publicação da Lei Complementar 116/03, por meio da qual a franquia passou a constar na lista de serviços tributáveis por meio de ISS.
Essa discussão tem gerado, em especial nos últimos anos com o crescimento do mercado de franquias no Brasil, posicionamentos das mais diversas ordens dos tribunais pátrios. Atualmente, a tendência é de que os Tribunais consolidem o entendimento de não incidência do ISS sobre os contratos de franquia, notadamente pelas decisões recentes proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no que concordamos inteiramente.
A questão controvertida gira em torno da natureza jurídica do contrato de franchising e o seu enquadramento com fato gerador do ISS. Para tanto, é importante registrar que o artigo 2° da Lei de Franquias considera a franquia empresarial como um sistema. Essa consideração ocorre em razão das múltiplas facetas que pode assumir, ora como contrato de cessão de uso de marca ou patente, ora como contrato de distribuição de produtos ou serviços, ora como licença de uso de tecnologia. A conjugação de todos esses fatores faz com que a franquia insira-se na qualidade de contrato ou negócio jurídico complexo.
Dessa forma, sendo um o contrato de cessão de direitos, em que o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de sua marca ou patente e o know-how adquirido pela experiência no desenvolvimento da atividade, podendo dar-se com o fornecimento de mercadorias, o contrato de franquia, em sua natureza jurídica, não é caracterizada apenas por uma obrigação de fazer, não sendo, por consequência, enquadrada no conceito de serviço, pelo que não se pode pretender incidir o tributo que tem como fato gerador justamente a prestação de serviços.
Com base no conceito constitucional de serviços tributável, pode-se dizer que serviço para fins de incidência do ISS é o comportamento humano consistente em uma obrigação de fazer, economicamente apreciável, desenvolvido em favor de outrem de forma individualizada, sem vínculo de subordinação, contratado na forma do direito privado e não compreendido na esfera de tributação de outro ente federado que não o Município.
Ora, sabendo-se que somente o perfeito enquadramento de um fato com os pressupostos acima descritos autoriza a exigência do tributo, vê-se, de logo, que a atividade de franquia não está sujeita ao recolhimento do ISS.
Nesse sentido, o ministro do STJ Franciulli Netto afirma, de forma brilhante, que “permitir a primazia da cessão de marca em face da prestação de serviço, data máxima vênia, significa transformar o contrato de franquia em contrato de locação. Seguindo esse raciocínio, conceder preeminência à prestação de serviços em face da cessão de marca importa em transfigurar o contrato de franquia em contrato de prestação de serviços”.
Ademais, a 15ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, por unanimidade, acolheu a tese de uma empresa franqueadora de âmbito nacional, lavrando o seguinte acórdão:
AÇÃO ORDINÁRIA - ISS - Exercício de 2004 - Município de São Paulo – Franquia - Tributação com base no item 17.08 da lista trazida pela LC nº 116/03 - Descabimento Atividade que não envolve efetiva prestação de serviços - Afronta ao artigo 156-III da CF - Inconstitucionalidade vislumbrada - Aplicação da Súmula Vinculante nº 10 do STF e do artigo 657 do anterior Regimento Interno desta E. Corte Julgamento suspenso, com a remessa dos autos ao C. Órgão Especial para análise da questão, o qual já declarou essa inconstitucionalidade - Prevalência do entendimento da d. Turma Julgadora - Procedência do pleito inicial nesta instância, com a inversão do ônus da sucumbência Sentença reformada. Apelo provido. (TJSP. 15ª Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Silva Russo. Data do Julgamento: 20/09/2012. Apelação n° 0069688-45.2006.8.26.0000)
Por fim, deve-se salientar que a questão ainda está pendente de análise perante o Supremo Tribunal Federal.
Posto isto, concordamos inteiramente com o entendimento atual do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma vez que não deve incidir ISS sobre o contrato de franquia, tendo em vista que esse não se trata de uma simples prestação de serviços, ao contrário, caracteriza-se como um contrato de natureza complexa, o que não se enquadra no conceito constitucional de serviço tributável.
Autor: Samy Charifker, é advogado e sócio da Becker advogados
fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2013
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