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A JUSTIÇA, O PODER DE POLÍCIA E O ALVARÁ DE ESTABELECIMENTO

  De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.

Qual a incidência tributária em industrialização por encomenda? ISS, ICMS ou IPI ?




Industrialização por encomenda: IPI/ICMS ou ISS?


Recente Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal do Brasil, o de nº 20, de 13-12-2007, veio contribuir para lançar mais combustível na fogueira da confusão.
O referido Ato Declaratório, para fins  de apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL), prescreve que “considera-se prestação de serviço as operações de industrialização por encomenda quando na composição do custo total dos insumos do produto industrializado por encomenda houver a preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante”.
Abriu-se uma discussão acentuada em torno desse Ato Declaratório Interpretativo entre os especialistas, havendo quase unanimidade em torno da ilegalidade da medida, por extravasar os limites da lei. Ao que se pode concluir pelas notícias publicadas pela imprensa (entrevistas) a polêmica, foi suscitada em razão do disposto na parte final do art. 1º do instrumento normativo sob exame, que faz referência à preponderância dos insumos fornecidos pelo encomendante, circunstância irrelevante do ponto-de-vista jurídico, como veremos mais adiante.
A preocupação dos especialistas e dos empresários que optaram pelo regime de tributação por meio do lucro presumido é justificável, porque se for caracterizada como serviço a referida operação (industrialização por encomenda), o imposto de renda incidente sobre 8% da receita bruta passará a incidir sobre 32% (art. 15 capute § 1º, III, “a” da Lei nº 9.249, de 26-12-1995. Em relação à contribuição social sobre o lucro, o percentual de 12% incidente sobre a receita bruta passará, também, para 32% (art. 20 da Lei nº 9.249/95, com a redação dada pela Lei nº 10.684, de 30-5-2003). Até hoje não consegui entender a vocação do fisco em onerar mais o setor de prestação de serviços. Inúmeras tentativas foram feitas para aumentar o limite para 40% da receita bruta, que não deram certo graças à mobilização desse importante segmento da atividade econômica. Parece que a política do governo em geral é a de tributar mais onde renda mais. Isso explica a exacerbação da alíquota do ICMS sobre o consumo de energia elétrica e sobre o serviço de comunicação, com inversão do princípio da seletividade em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços.
No meu entender, para o exame da questão em discussão, é irrelevante o que está na parte final do dispositivo sob comento. Não interessa saber quem forneceu os insumos do produto industrializado. O importante é saber o que é produto industrializado à luz da legislação aplicável.
De fato, tentar deslocar o industrial, contribuinte do IR e da CSLL, para o setor de prestação de serviços, sob o fundamento de que quando a matéria-prima for fornecida pelo encomendante haverá redução de custos para a empresa contratada, resultando no maior lucro operacional para esta última, é incorrer em duplo equívoco:
a) o preço da “industrialização” variará conforme se utilize de matéria prima própria ou daquela fornecida pelo encomendante, refletindo imediatamente na base de cálculo do tributo;
b) a chamada interpretação econômica, conquanto relevante na análise de normas que assentam o fato gerador de tributos em realidades econômicas (impostos), jamais poderá implicar contrariedade ao critério jurídico que norteia a formulação da hipótese de incidência  de cada tributo.
Nos termos do parágrafo único do art. 46 do CTN, “considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.
Ao contrário do que se depreende da leitura ocular do art. 46, II do CTN, a saída do produto industrializado não configura fato gerador do IPI, expressando apenas o seu aspecto temporal, isto é, quando se tem por ocorrido o fato gerador do IPI. Sem o aspecto temporal do fato gerador a tributação seria impossível, pois para aplicação da legislação tributária, conforme o princípio tempus regit factum, necessário um critério seguro definindo o momento em que nasce a obrigação tributária.
O art. 3º da Lei nº 4.502, de 30-4-1964, que continua vigorando para reger o IPI, detalha a definição do fato gerador do IPI de tal forma que até sangue humano ou peixe vivo ornamental podem ser enquadrados no conceito de produto industrializado.
Mas, a questão sob exame não é tão simples quanto parece, por causa dos chamados fatos geradores confrontantes. Às vezes, uma mesma situação fática pode conduzir o intérprete à configuração do fato gerador do ICMS e do ISS ao mesmo tempo. Sabemos que a bitributação é inconstitucional, por força do princípio discriminador de impostos (arts. 153, 155 e 156 da CF). Se houver duas normas jurídicas, de entes políticos diferentes, elegendo a mesma situação fática ou jurídica como elemento nuclear do fato gerador, uma delas será, necessariamente, inconstitucional, por invasão da esfera privativa de tributação da outra entidade política. Em se tratando de mesma pessoa jurídica de direito público interno, como acontece com o Pis-Cofins,  haverá mero bis in idem, isto é, a União tributa duas vezes a mesma realidade econômica, o que nada tem de inconstitucional.
Muitas vezes, a insegurança jurídica na identificação do fato gerador de cada imposto reside na confusão conceitual. Por exemplo, no passado, era comum a confusão entre o serviço de comunicação, tributado pelo ICMS, com o serviço de publicidade, tributado pelo ISS. Outras vezes, confundia-se a prestação do serviço de comunicação, com a comunicação em si, esquecido do caráter mercantil do imposto. Como se sabe, muita tinta foi gasta em torno da tributação dos provedores da Internet pelo ICMS até chegar à conclusão de que os provedores prestam serviços de comunicação de valor adicionado.
Na área do ISS perdura, até hoje, confusão generalizada entre prestação de serviço enquanto obrigação principal, com prestação de serviço enquanto atividade-meio. Na prestação de serviço de advocacia, por exemplo, o advogado desenvolve serviço de digitação, de análise e interpretação de textos legais, de tradução de textos estrangeiros etc., sem que tais serviços possam ser tributados isoladamente. É conhecida, outrossim, a tentativa freqüente dos municípios de tributar isoladamente os diversos serviços interligados, prestados pela exploradora de rodovia pedagiada (serviço de guincho, serviço de arrecadação do pedágio, serviço de manutenção da rodovia, serviço de monitoramento do tráfego etc.), implicando inadmissível cisão do fato gerador complexo. Outras vezes, ainda, o próprio legislador confunde prestação de serviço (fato gerador do ISS), com o serviço (objeto do ISS), levando à tributação do serviço importado, implicando violação do princípio da territorialidade das normas jurídicas. Outra confusão bastante freqüente na doutrina e na jurisprudência é entre o serviço de qualquer natureza constante da lista, com qualquer serviço. O que é passível de tributação é o serviço listado, qualquer que seja a sua natureza e não qualquer serviço.
Por sua vez, a clássica distinção – ICMS incide sobre circulação de bens corpóreos (mercadorias), enquanto que o ISS incide sobre circulação de bens incorpóreos (serviços) – não é mais suficiente para distinguir um imposto do outro.
É que a Constituição Federal alargou o conceito tradicional de mercadoria, ditado pelo direito comum, ao prescrever a incidência de ICMS sobre a venda de energia elétrica, que é um bem incorpóreo. Outrossim, os avanços tecnológicos ensejaram o aparecimento de várias mercadorias virtuais, de sorte a exigir a inclusão de bens incorpóreos na conceituação de mercadorias.
A fronteira entre o IPI e o ISS, também, não é sempre clara. Não basta o simples esforço humano aplicado sobre bens móveis de qualquer natureza, resultando no acréscimo ou modificação de sua utilidade pela alteração de algumas de suas características, para afirmar que houve industrialização a legitimar a incidência do IPI.
A moderna doutrina não dispensa do conceito de industrialização a produção de bem material em grande escala, em série, pela transformação e pelo aproveitamento de matérias-primas.
Na chamada produção por encomenda, feita a partir das especificações ditadas por determinado cliente, sobressai-se a característica de ser o produto encomendado o único do mesmo gênero, ou seja, a produção encomendada é personalizada. Não se presta à exposição para venda ao público em geral. Sãos os casos, por exemplo, de cartões de visita e de softwares específicos para uso em determinada empresa. Nesses casos, há incidência do ISS, pouco importando quem tenha fornecido a matéria-prima, porque a feitura do cartão de visita ou do softwar específico expressa uma obrigação de fazer, e não, obrigação de dar, que enseja a incidência do ICMS.
É a partir das distinções entre obrigações de dar e de fazer que identificamos as hipóteses de incidência do ICMS, do ISS e do IPI. Conforme escrevemos:
“a) o ISS só pode incidir sobre prestação de serviço, assim entendida o produto de esforço humano que se apresenta sob forma de bem imaterial, ou no caso de implicar utilização de material preserve a sua natureza no sentido de expressar uma obrigação de fazer, isto é, ter como objeto da prestação a própria atividade;
b) o ICMS incide sobre circulação de bens corpóreos e incorpóreos, mas a que expressa uma obrigação de dar, cujo objeto da prestação é uma coisa ou direito, algo já existente;
c) o IPI, apesar de a industrialização envolver um ‘fazer’, só pode ter por fundamento uma obrigação de dar, porque, por expressa definição legal, é um imposto que incide sobre a venda, importação ou arrematação de produto industrializado” (Cf. nosso ISS doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2008, p. 39).
No caso de produção por encomenda, pergunta-se, o que está sendo vendido? O produto em si, ou o serviço de personalização do produto? Traduz obrigação de dar, ou corresponde à obrigação de fazer?
A adjetivação das operações de industrialização por encomenda, constante na parte final do art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo sob comento (fornecimento de insumos pelo encomendante em proporção preponderante) pode ajudar a responder a indagação supra, mas, repita-se, não tem relevância jurídica que se pretende emprestar. Para identificação do fato gerador do IPI não interessa saber quem forneceu os insumos. O fornecimento da totalidade de insumos pelo encomendante  pode exteriorizar a sua intenção de obter a prestação do serviço de personalização do produto, e não a de comprar o produto. É sabido, porém, que na interpretação da norma jurídica definidora da incidência tributária não interessa a vontade das partes que compõem a relação jurídico-tributária.
Se a procedência do insumo utilizado tivesse relevância jurídica não se explicaria a incidência do ISS na execução de serviços gráficos por encomenda do cliente, como tem proclamado a jurisprudência de nossos tribunais: RREE ns. 102.482; 102.608; 102.948; 11.566; 113.114 e Súmula 156 do STJ. Ao que saibamos ninguém fornece a matéria-prima quando se encomenda esses produtos.
Concluindo, o Ato Declaratório Interpretativo nº 20/07 da Receita Federal do Brasil conferiu uma interpretação possível, no uso regular de sua atribuição, para vincular os órgãos administrativos sob sua jurisdição, visando uniformização da atuação fiscal. Não vincula, por óbvio, os contribuintes, que podem dele discordar se quiserem.
Apesar de não termos examinado o mencionado processo nº 10168.002277/2007-01, que ensejou a expedição do ato declaratório não me parece que seja intenção do fisco manter a tributação pelo IPI no caso de industrialização por encomenda e, ao mesmo tempo, classificar essa operação como sendo de prestação de serviço, para o fim específico de incidência mais onerosa do IR e da CSLL.
Somente o exame de cada caso concreto, envolvendo a análise de todos os aspectos da operação e em confronto com os itens da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 será capaz de apontar, com segurança, a incidência do IPI ou do ISS. Se se concluir pela tributação pelo IPI, haverá ipso fato a exclusão da incidência do ISS, mas, por tabela, haverá a incidência também do ICMS. Se, ao contrário, for concluída pela incidência do ISS haverá exclusão tanto do IPI como do ICMS.
De qualquer forma, é temerosa a expedição de Ato Declaratório Interpretativo baseado em um único caso concreto, por causa do seu efeito vinculante em relação aos órgãos da administração tributária.

Autor: Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.



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