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A JUSTIÇA, O PODER DE POLÍCIA E O ALVARÁ DE ESTABELECIMENTO

  De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.

O ISS e a pessoalidade nas sociedades uniprofissionais

Alguns municípios introduziram discriminações no que se refere ao tratamento tributário das chamadas “sociedades uniprofissionais”, criando regimes distintos. O Município de Santo André (SP), por exemplo, através da Lei nº 7.614/97, estabelece em seu artigo 25 que:


 Art. 25 – Quando a prestação de serviço ocorrer sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, a alíquota será fixa e trimestral, não considerada a importância paga a título de remuneração do trabalho pessoal do prestador de serviço, na seguinte conformidade:

[...]


§ 1º – Para efeitos deste artigo, considera-se prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal aquela em que todas as etapas de elaboração e execução de seu objeto sejam efetuadas diretamente pelo contribuinte.


§ 2º – O disposto neste artigo não se aplica aos casos em que o contribuinte conte com estrutura da empresa ou organização equivalente à empresa. (grifos nossos)


Esse legislador municipal pretendeu incorporar uma exceção à regra da pré-fixação dos valores cobrados a título de ISS por serviços profissionais, dela excluindo o contribuinte que conte com “estrutura de empresa” ou “organização equivalente a empresa”. Com isso, enquanto o profissional isoladamente considerado tem como obrigação pagar, pelos serviços pessoais prestados, um valor fixo a título de ISS, esse mesmo profissional, caso conte com “estrutura de empresa” ou “organização” que lhe equivalha, será tributado de acordo com o valor do serviço prestado.


Porém, como se demonstrará neste trabalho, essa técnica legislativa contraria o disposto no artigo 9º e seus §§ 1º e 3º do Decreto-Lei 406/68, que foi recepcionado pela atual Carta Constitucional com a natureza de Lei Complementar, conforme julgado do E. Supremo Tribunal Federal no RE 236.604-PR (Rel. Min. Carlos Velloso).



Esse diploma legal é expresso ao dispor que a base de cálculo do ISS, mesmo no caso das sociedades uniprofissionais, não é a remuneração recebida por seus serviços; o valor do tributo deverá ser calculado em função da natureza do serviço ou de outros fatores – mas não a remuneração do próprio trabalho do contribuinte:


Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.


§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.


[...]


§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável (grifamos)


A lista de serviços indicados no § 3º tem atualmente a sua redação dada pela Lei Complementar nº 116, de 2003. Contempla, por exemplo, os serviços de advocacia, engenharia, arquitetura, medicina, odontologia e outros.

Submetida a questão aos Tribunais, despontou corrente jurisprudencial majoritária que, acolhendo a tese acima exposta, considerou inválidos os dispositivos de leis municipais que, afastando-se das diretrizes fixadas pela Lei Complementar, pretendem tributar o serviço das sociedades uniprofissionais com base no valor do serviço por estas prestado. Há, entretanto, entendimento jurisprudencial que discrepa da referida corrente majoritária. A 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, em recente aresto proferido na apelação nº 9083813-35.2001.8.26.0000, entendeu que o regime previsto no artigo 9º do Decreto-Lei 406 não tem aplicação quando o contribuinte ativa-se com “caráter empresarial”. Diz a ementa desse aresto:


ISS


– Sociedade uniprofissional com nítido caráter empresarial – Recolhimento com base no Decreto-Lei nº 406/68, art. 9º, § 3º – Impossibilidade.


- Tratando-se de sociedade uniprofissional com nítido caráter empresarial, não se autoriza o recolhimento de ISS com base no Decreto-Lei n. 0406/68, art. 9º, § 3º. (grifos nossos)


Porém, com o devido respeito àqueles julgadores, esse entendimento comporta críticas. De fato, não há no direito tributário espaço para apreciações subjetivas do lançador. Os critérios para apuração da hipótese de incidência do tributo, de sua base de cálculo e da alíquota aplicável são sempre objetivos, previstos na própria lei que o institui. Portanto, a lei municipal não pode deixar ao talante do lançador considerar, segundo seus critérios íntimos, o que seria “estrutura de empresa” ou “organização equivalente a empresa”, pois tal conceito não existe no ordenamento jurídico. A lei municipal que elege esse critério diferenciador afronta claramente as diretrizes do art. 9º, §§ 2º e 3º do Decreto-Lei 406/68.


Nem mesmo a circunstância de uma sociedade uniprofissional distribuir os resultados aos sócios na proporção de suas respectivas quotas, e não na proporção do trabalho que cada um executa, desfiguraria a pessoalidade de seus trabalhos; apenas demonstraria que os sócios acordaram que o trabalho de cada um tem o peso equivalente ao de sua participação no capital social


A pessoalidade do trabalho dos sócios nas sociedades uniprofissionais, por sua vez, é uma presunção absoluta do próprio Decreto-Lei, na medida em que o parágrafo 3º de seu artigo 9º não prevê qualquer discriminação nem tampouco estabelece fórmula para apuração do trabalho de cada um na sociedade. É conhecido o brocardo jurídico segundo o qual “onde o legislador não discriminou, não cabe ao intérprete fazê-lo”


O fato de uma sociedade uniprofissional contar com empregados ou colaboradores também não afasta a presunção de pessoalidade do trabalho de seus sócios e nem tampouco o seu direito ao tratamento tributário diferenciado. Primeiramente porque § 3º do artigo 9º do referido Decreto-Lei não impõe como pressuposto para a aplicação do referido tratamento o trabalho pessoal exclusivo dos sócios. Em segundo lugar porque, ainda que tenha auxiliares, isso não afasta a presunção de serviços pessoais dos sócios.


É também inconsistente a tese de que o benefício do referido § 3º pressupõe que todas as etapas de elaboração e de execução do serviço sejam efetuadas diretamente pelo profissional habilitado. Não seria sequer razoável imaginar que os sócios de uma sociedade uniprofissional fossem obrigados a executar todos os tipos de trabalho necessários dentro de uma sociedade, e que não pudessem contar com nenhum auxiliar, para que pudessem se enquadrar naquele regime tributário.


O que é necessário para a prevalência da exceção prevista no mencionado artigo 9º e seu parágrafo 3º é que os sócios assumam a responsabilidade pessoal pelo trabalho desenvolvido pela sociedade. Se uma sociedade de profissionais liberais conta ou não com empregados, ou se se vale ou não de auxiliares e colaboradores, isso é absolutamente irrelevante para os efeitos de aplicação do regime previsto no art. 9º, § 3º do referido Decreto Lei.


O direito das sociedades de advogados ao regime estabelecido no artigo 9º, parágrafo 3º do Decreto Lei 406 já foi reconhecido pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de sua 14ª Câmara de Direito Público, como se vê no aresto proferido na Apelação Cível nº 833.270-5/9-00, relatado pelo Des. Carlos de Carvalho:


ISS – Cobrança sobre exercício de advocacia – Embargos à execução – Sociedade uniprofissional sem caráter empresarial – Não incidência do imposto – Tratamento  privilegiado – Art 9º , § 3º , do DL 406/68 – Objeto de prestação de serviço especializado – Sentença de procedência mantida – Reexame  necessário desprovido.


[...]


É pacífico o entendimento de que as sociedades civis de advocacia, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social, gozam de tratamento tributário diferenciado, previsto no artigo 9o, §§ 1o e 3o, do Decreto n° 406/68, já que são necessariamente uniprofissionais, não possuem natureza mercantil, sendo pessoal a responsabilidade dos profissionais nela associados ou habilitados. O artigo 16 da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) afasta qualquer dúvida acerca da natureza não – empresarial das sociedades de advogados. Segundo a previsão normativa, não serão admitidos registros ou mesmo não poderão funcionar, se apresentarem características ou forma mercantil. Nesse sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça, tal como se segue:


“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. BASE DE CÁLCULO SOCIEDADES DE ADVOGADOS. ” 1 . O art. 9o, §§  1o e 3o, do Decreto-lei n.° 406/68 estabelece alguns requisitos, sem os quais a sociedade estará obrigada a recolher o ISS com base na sistemática geral, vale dizer, sobre o valor do seu faturamento. São eles: a) que a sociedade seja uniprofissional; b) que os profissionais nela associados ou habilitados prestem serviços em nome da sociedade, embora sob responsabilidade pessoal. 2. O art. 16 da Lei n.° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) permite concluir que as sociedades de advogados, qualquer que seja o respectivo contrato social, caracterizam-se como sociedades uniprofissionais. O dispositivo proíbe que essas entidades realizem “atividades estranhas à advocacia” ou incluam em seus quadros “sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar”. “3. Os profissionais que compõem os quadros de uma sociedade de advogados prestam serviços em nome da sociedade, embora sob responsabilidade pessoal. Essa conclusão é possível diante da leitura do art. 15, § 3o, da Lei n.° 8.906/94, segundo o qual “as procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte”; do art. 17, que fixa a responsabilidade pessoal e ilimitada do sócio pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia; bem como do art. 18, do mesmo diploma legal, que estabelece que “a relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia”. “4. O art. 16 da Lei n.° 8.906/94 espanca qualquer dúvida acerca da natureza não-empresarial das sociedades de advogados. Segundo a previsão normativa, não serão admitidas a registro, nem poderão funcionar, “as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis”. “5. Tranqüila a conclusão de que a sociedade civil de advocacia, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social, goza do tratamento tributário diferenciado previsto no art. 9o, §§  1o e 3o, do Decreto-lei n.° 406/68, já que são necessariamente uniprofissionais, não possuem natureza mercantil, sendo pessoal a responsabilidade dos profissionais nela associados ou habilitados “6. Recurso provido.” (Resp 623772/ES,  j . 1/06/2004, relator Min. CASTRO MEIRA). No mesmo sentido : Resp 623772/ES J. 01/06/2004, rei. Min. CASTRO MEIRA; Resp 726930-rel., J. 6.08.2006, Min. LUIZ FUX; Ag. 923122, j 03/10/2007, rei. Min. CASTRO MEIRA.


Também o STJ fixou entendimento de que a sociedade de advogados goza do regime diferenciado previsto no art. 9º, § 3º do referido decreto-lei, como se vê na ementa do acórdão proferido no Agravo Regimental nº 1403527 (Agravo de Instrumento 2011/0035975-3), relatado pelo Min. Herman Benjamin:


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. TESE NÃO ARGÜIDA NO RECURSO ESPECIAL. ISS. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL DE ADVOGADOS. RECOLHIMENTO COM BASE EM VALOR FIXO ANUAL. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO PREVISTO NO ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO DECRETO-LEI 406/1968. INAPLICABILIDADE DO ART. 166 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.


1. É inadmissível o Recurso Especial quanto à matéria (violação do art. 2º, § 3º, da LICC), que não foi apreciada pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ.


2. Se o Tribunal local, a despeito da oposição dos Aclaratórios, deixa de se manifestar sobre as questões suscitadas, deve a parte interpor Recurso Especial com base na ofensa às disposições do art. 535 do Código de Processo Civil.


3. O STJ firmou o entendimento de que as sociedades de advogados, que não possuem natureza mercantil e são necessariamente uniprofissionais, gozam do tratamento tributário diferenciado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/1968, não recolhendo o ISS com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que as integram. Assim, é impróprio cogitar de transferência do ônus financeiro da exação aos tomadores de serviços, já que inexiste vinculação entre os serviços prestados com o montante do tributo devido.


4. Agravo Regimental provido.


Portanto, em que pesem os entendimentos em sentido contrário, não há espaço no ordenamento jurídico para a tributação dos serviços prestados pelas sociedades de que trata o artigo 9º do Decreto Lei 406, com base nos valores por estas recebidos.


Fonte: Notícias Fiscais

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