De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.
Inconstitucionalidade da LC 116/2003
O Imposto sobre Serviços, conforme expressa previsão constitucional, tem como fato gerador a prestação de serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, inciso II (que trata do ICMS), definidos em lei complementar, in casu, a Lei Complemenatr 116/2003.
Nesse sentido, se nos afigura de substancial importância que se colacione – desde já – a definição de serviço, procedimento indispensável a delimitar o campo de incidência do imposto municipal.
Maria Helena Diniz, jurista de nomeada, define serviço como sendo "o exercício de qualquer atividade intelectual ou material com finalidade lucrativa ou produtiva." (Dicionário Jurídico, Saraiva, São Paulo, 1998, pág. 311).
Para fins delineados neste articulado, que consiste na correta obtenção da base de cálculo da operação tributária sujeita ao ISS, poder-se-á conceituar serviço como sendo o trabalho humano, físico ou intelectual, prestado a terceiros em troca de uma contraprestação pecuniária.
Portanto, considerando que o fato gerador do ISS é a atividade material e/ou intelectual humana, levando em consideração ainda a possibilidade de onerar excessivamente o contribuinte, o conhecido Decreto-Lei 406/68 – sempre é bom lembrar que tem força de Lei Complementar – acertadamente admite – ou admitia até o advento da Lei Complementar 116/2003 – a dedução dos valores dos materiais/insumos aplicados nas obras de construção civil, restringido o alcance dessa norma tão somente aos serviços prestados, não mais que isso.
Em assim sendo, a Lei Complementar 116/2003, acabou por alterar a sistemática de apuração do imposto estipulada pelo vigente Decreto-Lei 406/68, posto que passou a tributar abusivamente os prestadores de serviços de construção civil, que além de pagar o ICMS sobre as mercadorias utilizadas nas obras, ficaram impedidos de deduzir seu valor da base de cálculo do ISS.
É importante observar, que no contrato de prestação de serviços, adquire-se um bem imaterial estampado pelo esforço humano, seja ele intelectual ou físico, razão mais que suficiente para justificar a não inclusão na base de cálculo do imposto, às mercadorias utilizadas no desempenho do serviço executado.
A melhor doutrina, tendo em Sérgio Pinto Martins um de seus expoentes, profliga o seguinte entendimento:
De igual modo, não há como se admitir que os insumos utilizados na construção civil – madeira, ferro, cal e tantos outros – sejam incluídos na base de cálculo do ISS, pois não são serviços, mas sim mercadorias já sujeitas a imposição fiscal da exação que lhe é própria (ICMS). A nosso juízo, argumentar de forma diversa, fere fundo e forte o arcabouço jurídico que não permite tergiversação, qual seja: o ISS incide sobre serviço, tal qual explicitado e delineado no artigo 9º do Decreto-Lei n. 406. Quanto a pretendida tributação no fornecimento de mercadorias, na realização dos serviços, ele é completamente silente. Aplicável a máxima de que a lei não tem palavras inúteis (STF,RTJ 134/969) e se o legislador constitucional previu a exclusão dos insumos, se nos afigura defeso interpretá-lo de forma diversa, nem mesmo com advento da LC alhures nominada.
É importe ter presente, que vige no Brasil o direito escrito romanizado, que se escuda no princípio da reserva legal ou da previsão legal, cujo desiderato é a inafastável constatação de que somente a lei, que emanada do Poder Legislativo, pode criar, modificar ou extinguir direitos, respeitados o ato jurídico perfeito e acabado, a coisa julgada de direito material e o direito adquirido sob a vigência da lei anterior (LICC, art. 6º, CF/88, art. 5º, II).
Ainda, com espeque na doutrina pátria, colaciona se a seguinte ensinança que se aplica qual uma luva in casu, verbis:
Diante destes argumentos e, em que pese a existência de manifestações contrarias que professam a constitucionalidade do artigo 7º da Lei Complementar 116/2003, deles ousamos discordar, pela justa razão de que o ordenamento jurídico que dispõe sobre a regra matriz da imposição fiscal do ISS, inclusive no que pertine a exata fixação do fato gerador, não prevê a tributação de insumos utilizados na execução dos serviços que, insista-se é a materialização do trabalho intelectual ou físico, razão da imprestabilidade da tributação perseguida e combatida neste trabalho. (In "ISS na constituição e na lei", São Paulo, Dialética, 2003, pág. 35).
Pensar de forma diversa, será o mesmo que admitir o aumento da carga tributária sem lei que o autorize, pois é justamente isso que busca o artigo 7º da Lei Complementar 116/2003. Admiti-lo como constitucional, provocará de forma inarredável o alargamento do campo de incidência do ISS, incluindo-se na base de cálculo elementos sem qualquer identidade com o aspecto material do ISS, que é restrita a prestação do serviço, não mais que isso.
Por cautela, cumpre ressaltar que a tese sustentada neste articulado, não encontra ressonância no STJ, que tem firme entendimento no sentido da constitucionalidade do texto legal impugnado mas, seguramente o STF será provocado a colocar termo a controvérsia.
O Supremo Tribunal Federal, fundamentado no artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, tem decidido que os insumos utilizados na construção civil, adquiridos de terceiros pelos prestadores de serviço, não devem ser incluídos na base de cálculo do ISS, pela justa razão de que esse dispositivo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e, ai se conclui que a Lei Complementar – artigo 7º – terá vida curta, pois está em testilha direta e frontal com norma constitucional expressa.
A Ministra Carmen Lúcia, abordando matéria semelhante a de que se cogita neste articulado, assim tem se expressado: "O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o valor de materiais de construção adquiridos de terceiros e de subempreitadas não integra a base de cálculo do Imposto Sobre Serviços - ISS, uma vez que reconhecida a constitucionalidade do Decreto-Lei 406/68." Trata-se de decisão unânime, da Primeira Turma do STF, proferida em 20 de outubro de 2009, que negou provimento a Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 431.891. (A base de cálculo do ISS: o preço do serviço", capítulo do livro "Imposto sobre Serviços - ISS na Lei Complementar 116/03 e na Constituição", Editora Manole, São Paulo, pág. 239/240/241).
Nesta mesma senda, a Ministra Ellen Gracie decidiu, em recurso com status de repercussão geral (RE 603.497), que é plenamente possível a dedução da base de cálculo do ISS, dos gastos com materiais de construção fornecidos por prestadores de serviços e assim o fez forte no Decreto-Lei 406/68, ao afirmar que a "jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço total do serviço, de maneira que, na hipótese de construção civil, deve haver a subtração do material empregado para efeito de definição da base de cálculo."
O RE 603.497 incorpora como razão decidir, diversos outros julgados da mesma Corte, dentre os quais se destacam o RE 262.598, relatado pela Min. Cármen Lúcia, DJe 27.09.2007; o RE 362.666-AgR, da lavra do e. Min. Gilmar Mendes, DJe 27.03.2008; o RE 239.360-AgR, relatado pelo ex-ministro Eros Grau, DJe 31.07.2008; o RE 438.166-AgR, relatado pelo Min. Carlos Britto, DJ 28.04.2006; RE 214.414-AgR, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29.11.2002; AI 675.163, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 06.09.2007; RE 575.684, rel. Min. Cezar Peluso, DJe 15.09.2009; AI 720.338, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 25.02.2009; RE 602.618, rel. Min. Celso de Mello, DJe 15.09.2009.
Diante disso, tem-se que o ISS incide apenas sobre a prestação de serviços, impondo-se ex vi legis, seja excluído da base de cálculo quaisquer valores que não se encaixem no conceito de serviço. Insumos utilizados não apenas na construção civil, como também em qualquer outra atividade de prestação de serviço, devem ser excluídos da base de cálculo do ISS, pois não são serviços, mas sim mercadorias sujeitas a tributação diversa (ICMS).
Nesse diapasão tem-se que a Lei Complementar 116/2003, não se coaduna com a formatação do ISS delineado na Constituição Federal de 1988, justamente por impedir a dedução do valor referente aos insumos da base de cálculo e provocar com isso, o aumento indevido do campo de incidência do tributo e, por conseguinte, o aumento da carga tributária, atingindo direta e frontalmente a norma expressa no inciso I do artigo 150 da vigente Constituição Federal.
Portanto, se demonstra, quando menos, que a matéria é controvertida e, agora, ao se reconhecer a repercussão geral em virtude da relevância do ponto de vista econômico, político, social e jurídico o STF, em futuro próximo, colocará fim a celeuma em torno do assunto e, pelos precedentes já apreciados e julgados, tem-se a firme convicção de que deverá prevalecer o entendimento da prevalência constitucional do §2º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68. Só o tempo dirá se temos razão. Aguardemos, pois, o pronunciamento da nossa alta Corte de Justiça
Autor: Iran José de Chaves
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
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