De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.
A taxatividade da lista de serviços do ISS
Difícil encontrar nas relações econômicas de circulação de bens, uma atividade
em que não coexista a entrega de uma coisa tangível com a realização de um
serviço, ou vice-versa. A simples compra de mercadorias em um mercado
envolve serviços como o atendimento de um caixa, o empacotamento do
produto e, às vezes, a entrega a domicílio e estacionamento na área do
estabelecimento. Quem compra um carro na concessionária de veículos,
recebe manual de serviços, revisões ‘gratuitas’, e até emplacamento, como
parte dos serviços oferecidos pela revendedora. Ao mesmo tempo, uma
empreitada global envolve, além do serviço prestado, o fornecimento de
materiais para conclusão da obra; um hospital, no atendimento do paciente,
fornece medicamentos e alimentação.
As operações são, em geral, mistas, e, por isso, achou por bem o constituinte
em definir os serviços tributáveis pelo ISS com o intuito maior de identificar
atividades cuja prestação-fim se caracteriza em prestação de serviços, quando,
então, caberia o ISS, daquelas outras em que os eventuais serviços realizados
são somente meios para se alcançar a venda de um bem tangível. Assim, os
serviços constantes da Lista foram aqueles cujo objeto maior da atividade é a
prestação de serviço, não se inserindo, pois, no campo de alcance do ICMS os
materiais e insumos aplicados ou consumidos na consecução de tais serviços,
ressalvadas algumas exceções indicadas expressamente na lei. Este é o
motivo principal e acreditamos o único que realmente justifique a existência da
lista de serviços.
A expressão definir, do latim definire, significa “enunciar as características
específicas de uma coisa, de tal modo que ela não se confunda com outra” 1 ,
ou “decidir, fixar, marcar, expor com precisão” 2. Diz a Constituição Federal:
“serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos
em lei complementar” (art. 156, III - grifo nosso).
Essa necessidade de definir os serviços por lei complementar surgiu com a
Constituição de 1967: “serviços de qualquer natureza não compreendidos na
competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei
complementar” (art. 25, II). A redação da Emenda Constitucional nº. 18, de
1965, dava um tratamento diferente à matéria:
“Art. 15. Compete aos Municípios o imposto sobre serviços de qualquer
natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos
Estados.”
“Parágrafo único. Lei complementar estabelecerá critérios para distinguir as
atividades a que se refere este artigo das previstas no artigo 12” (o artigo 12 se
referia ao “imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias,
realizadas por comerciantes, industriais e produtores”).
Nada mais natural que lei complementar viesse a estabelecer critérios para
distinguir as atividades dos dois impostos, pois, afinal, cabe à lei complementar
dispor sobre possíveis conflitos de competência entre os entes políticos.
1 Enciclopédia Larousse Cultural
2 Dicionário do Ministério da Educação - FAE
Mas, a partir da Constituição de 1967, surgiu a necessidade de lei
complementar, não mais para estabelecer critérios, e, sim, de definir os
serviços sujeitos ao imposto municipal.
O sempre lembrado Aliomar Baleeiro dizia assim: “O CTN, no art. 71, já
revogado, depois de referir-se especialmente a algumas categorias de
serviços, abrangia, de modo genérico, todos os demais, numa cláusula
bastante compreensiva: ‘demais formas de fornecimento de trabalho com ou
sem utilização de máquinas, ferramentas e veículos’ (art. 71, § 1º, VI). Assim, a
regra geral e clara era a de que todo serviço, menos o de transporte e
comunicações da União, ou os reservados por lei complementar aos Estados,
poderia ser tributado pelos Municípios, desde que prestados por empresas ou
trabalhador autônomo”. 3
A taxatividade surgiu, portanto, com a Carta de 1967 e o advento do Decreto-lei
406, de 1968, este aceito, apesar de decreto-lei, como lei complementar.
Na verdade, diversos Municípios já haviam adotado uma “lista” de serviços
tributáveis desde 1966, ou seja, antes da Constituição de 1967 e, evidente,
antes do Decreto-lei 406/68. Um exemplo foi a Lei nº. 1.165, de 13 de
dezembro de 1966, do antigo Estado da Guanabara. O parágrafo único do art.
74 da referida lei enumerava vinte modalidades de serviços que deveriam ser
considerados como sujeitos ao imposto. Essa técnica de lista aplicada pelos
Municípios (e excepcionalmente pelo Estado da Guanabara que era ‘Estado-
Município’), facilitava a identificação das alíquotas por modalidade do serviço
prestado, além de não lhe conferir uma interpretação rigorosamente taxativa,
pois em diversos itens constava a permissão de integrar serviços por
assemelhação, ao utilizar expressões como “congêneres” e “atividades
similares”. 4
A idéia de definir serviços por lista, já utilizada em leis municipais, foi, então,
adotada na lei complementar, não só para aproveitar o exemplo das leis
municipais, mas, também, porque este método já era de uso comum nos
países integrantes da Comunidade Econômica Européia.
As listas de serviços do Decreto-lei 406/68, do Decreto-lei 834/69 e da Lei
Complementar 56/87 foram produzidas de forma desordenada e sem obedecer
a qualquer classificação metodológica. Ao comentar a lista baixada pelo
Decreto-lei 834/69, o laureado Professor Bernardo Ribeiro de Moraes assim se
expressou:
“Toda classificação deve ordenar os elementos classificados, diante de certas
relações que possam ser postas em evidência (do gênero à espécie, do todo à
parte, etc.). A classificação dos serviços, arrolados em 66 itens da lista
3 “Direito Tributário Brasileiro”, 11ª ed., atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi, Rio, Forense, p.
500
4 Exemplos da lista de serviços do Estado da Guanabara: “VI - a conservação e limpeza de escritórios e
congêneres”; “VIII - a atuação por meio de comissões, como agente, comissário, intermediário,
representante ou atividade similar”.
aprovada pelo Decreto-lei n. 834, de 1969, não é do tipo natural ou científico,
pois constitui uma classificação artificial, isto é, fundamentada em caracteres
escolhidos de maneira arbitrária, de acordo com o fim que o legislador teve em
mira”. 5
De fato, não havia um rigor técnico na elaboração da lista, e o mesmo se
repetiu na lista da Lei Complementar nº. 56, de 1987. O que se viu foi, como
disse Bernardo Ribeiro de Moraes, um simples agrupamento de serviços,
empírico e superficial.
Todavia, há de se notar que a lista de lei complementar tem um propósito
normativo, característica da essência de uma lei complementar, ou seja, a de
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. A
“executoriedade”, no caso, fica por conta da lei ordinária municipal, baseada
nas diretrizes emanadas na lei superior. Explica Sacha Calmon Navarro Coêlho
que “a lei complementar, na qualidade de lei interpretativa, explicativa e
operativa do discrímen constitucional de competências tributárias, não fornece
o fundamento de validez ao exercício do poder de tributar ex lege das pessoas
políticas envolvidas”. 6
Não deveria, portanto, o legislador municipal ficar algemado à literalidade da
lista da lei complementar, pois essa própria permitiu aos Municípios o direito de
acrescer serviços correlatos ou congêneres, o que foi observado em larga
escala nas listas do Decreto-lei 834 e da Lei Complementar 56. Ora, se a
própria lista permitia aos Municípios a inclusão de serviços congêneres,
correlatos e similares, não resta dúvida que a lei complementar tinha em vista
conceder aos Municípios o direito de adicionar outros serviços por analogia e
assemelhação.
Apesar da péssima qualidade de elaboração das listas de que se trata, nada
impediria ao legislador municipal agregar serviços que realmente fossem
espécies dos gêneros relacionados, ainda mais quando havia, na própria lei, tal
permissão ou recomendação. Sobre o assunto, ensinou Aliomar Baleeiro:
“Decerto, o art. 97 do CNT não tolera analogia para definição do fato gerador.
Não se pode incluir na lista categoria que nela inexiste. Mas o que existe pode
ser interpretado amplamente. Não deixa de ser taxativa a lista se a
interpretação, por exemplo, incluir o solicitador ao lado do provisionado ou o
parecerista ao lado do advogado (...) A lei complementar pode ser mais ou
menos compreensiva e pode designar gêneros, dos quais o intérprete
extrai as espécies” (grifo nosso). 7
No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões, considerou a
lista de serviços taxativa:
“Tributário. Imposto Sobre Serviços. A lista que acompanha o Decreto-lei
406/68, com a redação do Decreto-lei nº. 834/69, define os serviços tributáveis,
5 “Doutrina e Prática do Imposto Sobre Serviços”, Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 405.
6 “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, 9ª ed., Rio, Forense, p. 105.
7 Ob. cit. p. 501.
em caráter taxativo, não se compadecendo à simples indicação facultativa.
Serviços não definidos na lista não podem ser tributados. Recurso conhecido e
provido” (STF, 2ª T - RE 100.858/PE - j. 12.11.85).
E o STJ, na mesma esteira:
“Tributário. ISS - Serviços Portuários. 1. A lista que acompanha o Decreto-lei
406/68, em caráter taxativo, define os serviços tributáveis, não admitindo
interpretação ampliada. A analogia é repudiada e o efeito retroativo de
legislação posterior para tributar fatos pretéritos fere o princípio da reserva
legal. 2. O Município não pode exigir o ISS sobre serviços portuários, quando
não albergados pelo caráter taxativo da lista. 3. Recurso provido” (STJ - 1ª. T -
Resp 30.360-0-SP - j. 21.09.94).
Tendo por base a Constituição de 1988, foi sancionada a vigente Lei
Complementar nº. 116, em 2003, depois de anos e anos dormindo nas
prateleiras do Congresso. Surgiu uma nova lista de serviços, desta vez, porém,
melhor laborada, mais ordenada e com disposição mais criteriosa em relação
aos serviços elencados. Tomou-se o cuidado de identificar os gêneros e
distribuir algumas de suas espécies.
O primeiro item da lista serve de exemplo: “Serviços de Informática e
congêneres”. Os serviços de informática seria o gênero, mas o legislador não
se conteve, abrindo a hipótese de o imposto alcançar outros serviços do
mesmo gênero.
A expressão gênero significa a reunião de espécies que possuem vários
caracteres comuns entre si. Deste modo, seria perfeitamente admissível o
legislador municipal desdobrar todas as espécies que se relacionam com a
informática, como, por exemplo, o provedor de Internet, pois, afinal, o que vem
a ser “informática”, se não uma ciência relacionada ao tratamento automático e
lógico da informação? Só pelo conceito de informática surge uma enorme
gama de possibilidades de serviços, atividades que poderiam ser consideradas
espécies desse gênero.
Destarte, o conceito de “taxatividade” não pode ser entendido de forma tão
obtusa e até mesmo ridícula em alguns casos, como foi a interpretação de que
“cheque ouro” não é “cheque especial”, ou lanternagem não é funilaria, ou
marcheteiro não é marceneiro, e assim por diante.
Errado, isto sim, é o legislador municipal, de forma simplista e cômoda, copiar
literalmente a lista da Lei Complementar 116/03, sem investigar de forma mais
apurada e inteligente os serviços que poderiam ser tributáveis no seu
Município.
Temos, porém, alvissareiros prenúncios de mudanças de posição da nossa
Justiça. Assim foi a decisão do Recurso Especial nº. 728.126-PR, do STJ, nos
termos do voto do Ministro Castro Moreira:
“A taxatividade não impede que seja feita uma leitura ampla e analógica de
cada item constante da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei nº. 406/68. O
STF perfilhou tal entendimento no RE nº. 75.952-SP (Rel. Min. Thompson
Flores) e hoje encontra-se sedimentado neste Tribunal. Assim é possível
concluir que, embora taxativa, em sua enumeração, a Lista de Serviços admite
interpretação extensiva, dentro de cada item, para permitir a incidência do ISS
sobre serviços correlatos àqueles previstos expressamente. Se assim não
fosse, ter-se-ia, pela simples mudança de nomenclatura de um serviço, a
incidência ou não do imposto” (...).
Este caminho começa também a ser seguido nos Tribunais Estaduais, como o
voto da Desembargadora Leila Vani Pandolfo Machado, na Apelação Cível nº.
70010842821-2005:
“É sabido que, embora a Lista de Serviços seja considerada taxativa quanto ao
gênero, merece interpretação extensiva de modo a permitir a incidência do ISS
sobre serviços correlatos a aqueles previstos, porém com diferentes
nomenclaturas. Esse o entendimento jurisprudencial majoritário”.
Nossos melhores doutrinadores adotam entendimento idêntico ou mais
elástico, muitos não tolerando nem mesmo a existência de lista de serviços.
Acreditamos, no entanto, que a lista tem valor como norma indicativa dos
gêneros dos serviços tributáveis pelo ISS, mas sugestiva nas espécies.
Mas, é lamentável que a grande maioria das leis municipais nada mais fez do
que, apenas, copiar a lista de serviços da lei complementar. E fazendo assim,
limitou o campo de incidência do imposto, deixando de enquadrar até mesmo
quando a lei complementar sugeria que assim pudesse fazer, ao mencionar
“serviços congêneres” ou “correlatos”.
E é esta a posição de Aires F. Barreto:
“De fato, os Municípios não estão gravando uma vasta gama de atividades que
configuram serviço e que a Constituição colocou sob o seu manto. A nãotributação
decorre de duas hipóteses. A primeira resulta de terem os
Municípios se limitado a copiar a lista anexa à lei complementar. Em outras
palavras, nesse caso, os Municípios puseram-se numa camisa de força. Não
mais deixam de tributar por causa da lei complementar, mas em virtude de lista
constante de lei municipal contemplando apenas certos serviços (aqueles
copiados da lei complementar). Os Municípios que assim agiram se
autolimitaram, acolhendo o preconceito de que só podem tributar serviços
arrolados pela lei complementar” (...). 8
Cabe agora que os Municípios revejam suas leis, analisem a lista vigente e
façam os acertos e ampliações, conforme as peculiaridades de cada lugar, e
que procurem respeitar com maior zelo o princípio da igualdade, ou isonômico,
entre os seus prestadores de serviços, pois enquanto nomeiam diversas
atividades como contribuintes do ISS, deixam à larga outras mais, tratando-as
8 “ISS na Constituição e na Lei”, 2ª ed., São Paulo, Dialética, p. 114.
como se fossem isentos ou dispensados da tributação, não por lei expressa,
mas por absurda omissão e descaso.
Fonte: Roberto Tauil - abril de 2008.
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