De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obriga...

Policiais, quer sejam investigadores , ocupantes de cargos para cujo
provimento consta que é exigido apenas o segundo grau de escolaridade, quer
sejam delegados de Polícia, portando diploma de bacharel em Direito, não
possuem conhecimento técnico que lhes permita exercer a difícil tarefa da
fiscalização tributária. E mesmo que eventualmente alguém deles possuir o
conhecimento, não possui a atribuição legal que para tanto se exige.
Ademais, quando tais policiais comparecem nas empresas para, ao arrepio
da lei, examinar livros e documentos fiscais, geralmente se apresentam em
viaturas policiais, cuja presença ostensiva em muitos casos causa desnecessário
constrangimento ao contribuinte.
Já há algum tempo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo vem se
preocupando com o crescimentos dessa ilegalidade. Tanto assim, que já foi
baixada norma administrativa que restringe a participação de agentes
fiscais de rendas apenas naqueles casos em que já tiver sido lavrado
Boletim de Ocorrência, onde existam fatos concretos que apontem indícios
veementes de ilícito fiscal.
O Regulamento do Imposto de Renda, nos artigos 904 e 908, além de
afirmar que a fiscalização tributária é de competência exclusiva do Auditor
Fiscal do Tesouro Nacional, também prevê que somente denúncias por
escrito, com perfeita identificação do denunciante, devem ser
consideradas.
Ora, com o crescimento da carga tributária no Brasil, que hoje já
ultrapassa 38% do PIB (Produto Interno Bruto), as questões fiscais tomaram uma
importância enorme para todas as empresas.
Nenhum contribuinte pode, portanto, ficar sujeito a constrangimentos e
abusos de pessoas que, por não ocuparem cargos na fiscalização tributária, não
podem ter acesso a informações protegidas pelo sigilo. Não podem os policiais
civis e nem mesmo os policiais federais, sejam investigadores, agentes,
detetives, escrivães, peritos ou mesmo delegados, desempenhar tarefas
privativas de agentes fiscais federais ou estaduais.
Quando tomarem conhecimento de possíveis denúncias, deverão reduzi-las a
termo, identificando o denunciante na forma da lei, até para que este responda,
se for o caso, pelo crime de denunciação caluniosa. Registrada a denúncia, deve
ser acionada a autoridade fazendária competente, esta sim autorizada a fazer as
averiguações necessárias, a requisição de livros e documentos, e tudo o que for
necessário para a apuração do tributo eventualmente sonegado.
Sempre que uma empresa venha a ser visitada por agentes policiais que
pretendam examinar livros e documentos fiscais, deverá o contribuinte, além de
exigir a identificação dessas pessoas (pois há meliantes que se passam por
policiais) , comunicar à Corregedoria da Polícia e à autoridade fiscal
competente.
Já há registros de casos em que o suposto policial, quando exigida sua
identificação, retirou-se para “buscá-la na viatura”, não mais retornando ao
local, demonstrando que se tratava de falso policial.
Mesmo que se trate de policial verdadeiro, o máximo que ele pode fazer
é notificar o contribuinte para fornecer os documentos. E o contribuinte em
nenhum momento está obrigado a exibir documentos fiscais a quem não seja um
fiscal.
Eventual apreensão de livros e documentos fiscais, feita por policiais,
é nula de pleno direito para efeitos de lançamento tributário, que não pode
basear-se em prova obtida de forma ilícita.
Para os fiscais federais vigora o Decreto 1.171 de 27 de junho de 1994,
que lhes impõe um Código de Ética, que considera “deveres fundamentais do
servidor público”, dentre outros:
“ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do
seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor
e a mais vantajosa para o bem comum;
“ser cortês, ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a
capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público,
sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade,
cor, idade, religião, cunho político e posição social, abstendo-se, dessa
forma, de causar-lhes dano moral"
No Estado de São Paulo, ainda vigora o Código de Direitos, Garantias e
obrigações do Contribuinte, baixado pela Lei Complementar (Estadual) nº 939 de
3/4/2003, que tem dentre seus objetivos o de “proteger o contribuinte contra o
exercício abusivo do poder de fiscalizar”.
Sempre que a fiscalização, seja federal, estadual ou municipal, usa a
força policial sem necessidade ou sem mandado judicial, convida a imprensa para
acompanhar diligências que deveriam ser realizadas com critério e moderação, ou
quando agentes do fisco ou da Polícia passam a dar entrevistas e submeter o
contribuinte à execração pública, estamos diante de atos abusivos, feitos ao
arrepio da lei.
Em síntese: policiais não podem ter acesso a livros e documentos
fiscais de contribuintes, os quais só podem ser examinados por agentes fiscais
nos limites de sua competência e observadas as normas de sigilo de que
trata o Código Tributário Nacional.
FONTE: Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2011, 10h08
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