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A JUSTIÇA, O PODER DE POLÍCIA E O ALVARÁ DE ESTABELECIMENTO

  De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.

FISCALIZAÇÃO NO SUPER SIMPLES

Fiscal - Micro empresa e empresa de pequeno porte. Procedimentos de fiscalização, lançamento e contencioso administrativo
 
O Estatuto Nacional da Micro Empresa (ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP), que até mereceu a denominação de “supersimples” enquanto em tramitação o respectivo projeto de lei complementar. Quando se converteu na Lei Complementar nº 123, de 14-12-2006, transformouse em um instrumento normativo super complicado do ponto-de-vista operacional. Essa complicação se deve à ação de tecnocratas. Logo depois de sua aprovação, os mesmos tecnocratas engendraram outras emendas casuísticas, que resultaram na aprovação da Lei Complementar nº 127, de 14-8-2007, agravando a complexidade até então existente, sem contar a injustificada exacerbação da imposição tributária ao setor de prestação de serviços.



Agora, o Comitê Gestor do Simples Nacional — CGSN —, com base no Decreto nº 6.038, de 7-2-2007, baixou a Resolução nº 30, de 7-2-2008, disciplinando os procedimentos de fiscalização, lançamento e contencioso administrativo das ME e EPP optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições (Simples Nacional). Essa Resolução, além de dúbia e confusa, avança sobre matéria reservada à lei, gerando conflitos e aumentando o grau de insegurança jurídica.



Vejamos, em rápidas pinceladas, os seus dispositivos principais. Segundo o art. 2º, a competência para fiscalizar o cumprimento das obrigações principais e acessórias é da Receita Federal do Brasil e das Secretarias de Fazenda ou de Finanças do Estado ou do Distrito Federal, e também dos Municípios em se tratando de prestação de serviços incluídos na competência tributária municipal. Até aqui tudo bem. Porém, o § 1º dispõe que a competência para fiscalizar abrange todos os estabelecimentos da ME e EPP, observado o disposto no § 3º. O § 2º, por sua vez, prescreve que a fiscalização municipal abrangerá todos os demais estabelecimentos da ME e da EPP, independentemente das atividades por elas exercidas, observado o disposto no § 3º. E esse § 3º prescreve que na hipótese de realização, por Secretaria da Fazenda ou de Finanças do Estado, do Distrito Federal ou do Município, de ação fiscal em contribuinte com estabelecimento fora do âmbito de competência do ente federativo, este deverá comunicá-la à administração tributária do outro ente federativo para que, havendo interesse, se integre à ação fiscal.



Ora, o exercício da fiscalização de um ente político fora de sua base territorial depende de convênio firmado entre os entes interessados ou de normas gerais veiculadas por lei complementar, nos precisos termos do art. 102 do CTN. É o princípio da territorialidade das leis. Não basta a simples comunicação de que fala o § 3º.



Outrossim, os parágrafos 6º e 9º do art. 2º sob comento criam conflitos inevitáveis com a possibilidade de invasão das competências de cada ente da Federação. O § 6º autoriza o exercício pleno da competência fiscalizatória a qualquer ente da Federação, de forma individual, simultânea ou de forma integrada “mesmo para períodos já fiscalizados”[1], ao passo que, o § 9º estende essa competência fiscalizatória a todos os tributos abrangidos pelo Simples Nacional. Isso significa que um determinado Município pode, em tese, fiscalizar tributos municipais, estaduais e federais, inclusive fora de sua base territorial, mediante simples comunicação aos fiscos estadual e federal, abarcando períodos já fiscalizados pelo Estado ou pela União, por meio de seus órgãos competentes.



É verdade que o art. 4º determina o registro das ações fiscais abertas pelos entes da Federação no sistema eletrônico único disponibilizado no Portal do Simples Nacional, com acesso pelos entes políticos, devendo constar, entre outros dados, a data do início da fiscalização, a abrangência da fiscalização, o resultado e a data do encerramento. Mas isso não purga o vício representado pelo invasão de competência, nem elimina, por completo, o perigo de duplicidade de fiscalização. Nos termos do art. 6º, verificada infração será lavrado o Auto de Infração e Notificação Fiscal — AINF — a ser utilizado por todos os entes da Federação, salvo nos casos de descumprimento das obrigações acessórias previstas na LC nº 123/06, quando serão utilizados os documentos de autuação e lançamento fiscal específicos de cada ente político. Regulando o contencioso administrativo, o art. 11 prescreve a competência do órgão julgador integrante da estrutura administrativa do ente político que efetuar o lançamento ou a exclusão de ofício do Simples Nacional, observados os dispositivos legais atinentes aos processos administrativos fiscais desse ente político.

Além de versar sobre matéria reservada à lei em sentido estrito, a norma sob comento é inexeqüível, pois é sabido, por exemplo, que os Municípios só regulam os processos administrativos tributários em relação a seus tributos privativos.

O processo administrativo tributário, por se inserir no âmbito do Direito Administrativo, não é passível de disciplinação uniforme no âmbito nacional. A autonomia político-administrativa dos entes Federados impede a sua codificação. O que é possível é a União editar normas gerais a respeito, porém, reservando a cada ente político os detalhes do procedimento administrativo regulando os respectivos processos administrativos tributários.

Os artigos 13 e 16 são arbitrários. Apesar de respeitar as penalidades definidas nas leis de cada ente político, definem outras infrações apenadas com multas que variam de 75% a 225% da totalidade ou da diferença do tributo não pago ou recolhido mediante remissão aos dispositivos de leis esparsas, que cuidam de tributos diversos. Mais uma vez, pretende-se implementar o império da ilegalidade eficaz em substituição ao velho princípio da legalidade. Na elaboração da Resolução sob comento faltou a mão do jurista com visão do ordenamento jurídico global. Com a sua entrada em vigor, certamente, aqueles que optaram pelo Simples Nacional ficarão mais inseguros.

NOTA

[1] Entende-se, fiscalizados por outro ente político.

Autor: Kiyoshi Harada
* Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos e Legislativos da Fiesp — Conjur. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas - APLJ. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: WWW.haradaadvogados.com.br
E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br

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