De início, é preciso esclarecer que não pertence à alçada municipal fiscalizar a capacidade ou legitimidade do exercício profissional de ninguém, ou examinar se a pessoa está auferindo lucros ou prejuízos. Não cabe ao Município investigar oficialmente se o registro de um Médico é legítimo, ou se aquele Contador entende realmente de Contabilidade. Compete à Administração Municipal, isso sim, fiscalizar os aspectos de segurança, higiene, localização, horário de funcionamento, sossego público e se a atividade autorizada não foi desvirtuada para outras não aprovadas. Não importa qual seja a atividade e sua localização. Parte da Sentença de Juiz sobre a exigência de alvará de funcionamento de um templo religioso: “(...) Outro equívoco da Impetrante, reside no fato de que, não obstante, no âmbito deste Município, tenha a isenção da Taxa de Funcionamento, tal fato não lhe exime de obter a respectiva Licença de Funcionamento, em virtude da existência de norma legal lhe impondo tal obrigação.
As cooperativas estão regulamentadas nos termos da Lei 5.764/71 e suas atividades previstas em alguns preceitos constitucionais, entre os quais destacamos o teor do art. 146, III, c que fixa competência à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária sobre o “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”. Não foi, ainda, promulgada lei complementar atinente ao tratamento tributário das cooperativas.
Deve-se registrar, por oportuno, que as cooperativas não estão inseridas no capítulo constitucional das imunidades e a previsão de ”adequado tratamento tributário”, como sinal de que deverá haver um tratamento tributário incidente sobre as operações dessas instituições, nem que seja um tratamento especial. Trata-se, portanto, de norma de eficácia limitada, desprovida de quaisquer efeitos enquanto não regulamentadas por legislação infraconstitucional, no caso, lei complementar.
Nesse sentido, a 1ª Turma do STF decidiu assim:
“ICMS E COOPERATIVAS – Ao prever que a lei complementar estabelecerá normas gerais sobre ‘adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas’, o art. 146, III, c, da CF não concedeu imunidade tributária às cooperativas. Com base nesse fundamento, e entendendo que, enquanto não for promulgada a lei complementar ali mencionada, o Estado-membro pode disciplinar o tratamento tributário que entender adequado às cooperativas – tendo em vista a competência concorrente ditada pelo art. 24, I e § 3º da CF -, a Turma não conheceu do recurso extraordinário fundado na alegação de afronta ao art. 146, III, c, da CF, em que se questionava a incidência do ICMS sobre operações praticadas por cooperativa” (RE 141.800-SP, j. 01-04-1999, Relator Min. Moreira Alves).
Por definição e fundamento conceitual, o ato cooperativo típico é aquele quando realizado exclusivamente entre os próprios cooperados. É neste sentido que postula a Lei 5.764/71:
“Art. 3º - Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”.
“Art. 4º - As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: (...) X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; (...)”.
Verifica-se que a característica fundamental do ato cooperativo típico é a realização de operações exclusivamente entre os próprios cooperados. Em tais operações não há incidência do ISS, pois inexiste a circulação econômica de serviços. Quando a cooperativa presta um serviço em benefício de um associado, não está praticando uma operação para terceiros, visto que a cooperativa age em nome e por conta dos cooperados. No momento em que o cooperado se utiliza de um serviço prestado pela cooperativa, será ele ao mesmo tempo prestador, pois é a pessoa integrante da sociedade, e tomador do serviço, não havendo que se falar, portanto, em venda de bens imateriais com fins econômicos.
Por exemplo, uma cooperativa de táxi que funciona exclusivamente para centralizar as chamadas dos clientes e repassá-las aos associados, sem nada cobrar como adicional aos usuários, sendo mantida exclusivamente por meio das quotas de capital aplicadas pelos cooperados, teria suas ações, realmente, reconhecidas como atos típicos de cooperativa.
O contrário ocorre quando os serviços são prestados pela cooperativa diretamente aos usuários. A gestora passa a ser a cooperativa; o contrato negocial é firmado entre o usuário e a cooperativa. Temos, então, a caracterização de ato atípico de cooperativa, gerando o fato imponível tributário. Esta ação foi prevista no artigo 87 do Estatuto das Cooperativas, nos seguintes termos:
“Art. 87 – Os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86, serão levados à conta do ‘Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social’ e serão contabilizados em separado, de molde a permitir cálculo para incidência de tributos”.
O supra mencionado art. 85 trata exclusivamente de cooperativas agropecuárias e de pesca, mas o art. 86 é de conteúdo amplo e genérico, como se vê:
“Art. 86 – As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e esteja de conformidade com a presente Lei”.
A respeito da matéria, o eminente e laureado tributarista Roque Antônio Carrazza diz o seguinte:
“Portanto, as cooperativas de consumo, enquanto abastecem seus associados, não praticam operações mercantis. Não devem, pois, ser tributadas por via de ICMS, enquanto se mantiverem no exercício das atribuições consubstanciadas no ato cooperativo, isto é, enquanto se limitarem a entregar bens a seus associados. Evidentemente, a venda que a cooperativa efetua a terceiros (não cooperado) está sujeita ao ICMS. É que, neste caso (e só neste caso), ela pratica uma operação mercantil. Está envolvida com a prática de ato de comércio”
Assim, quando a própria cooperativa fecha contrato de prestação de serviços com terceiro, assume ela própria a obrigação de fazer, determina o preço do serviço e os termos negociais, configura-se de modo inegável o fato gerador do imposto. É o caso dos atos praticados pelas cooperativas de serviços de saúde, destinados a terceiros, fazendo das mensalidades pagas a contraprestação pelos serviços de assistência médica que lhes são proporcionados.
Não cabe aí o argumento de que já ocorre a tributação individual dos profissionais incumbidos de prestarem os serviços médicos. São fatos geradores totalmente distintos e independentes. Um deles é provocado pela atuação da cooperativa, contrato oneroso, de caráter bilateral, firmado entre a pessoa jurídica (cooperativa) e o usuário. O outro é a atividade autônoma do profissional, que a desempenha em seu nome e por conta própria.
Não importa, também, para efeitos de incidência do ISS, que a atividade da cooperativa não tem finalidade lucrativa. A cooperativa exerce, de fato, uma atividade econômica e não pratica a filantropia. Além disso, o ISS onera a receita bruta auferida pelo contribuinte, sendo irrelevante se a operação proporcionou lucro ou não.
Sendo o ISS um imposto cumulativo, temos, no caso, o gravame tributário incidindo sobre a operação realizada pela cooperativa diretamente com o usuário, além, se for o caso, da incidência sobre os serviços realizados isoladamente pelos cooperados. Nesta última, ocorrerá o fato gerador do imposto quando o serviço estiver ao alcance do tributo de que se trata. Serviços de profissionais médicos sofrem a taxação, mas serviços auxiliares de enfermagem, por exemplo, não sofrem incidência, porque “auxiliar de enfermagem” é atividade tida no rol de trabalhos avulsos, exercida com dependência hierárquica, sob subordinação, ao contrário da outra.
Em recente decisão, o STJ decidiu da seguinte forma:
“COOPERATIVAS MÉDICAS. INCIDÊNCIA. 1. As Cooperativas organizadas para fins de prestação de serviços médicos praticam, com características diferentes, dois tipos de atos: a) atos cooperados consistentes no exercício de suas atividades em benefício dos seus associados que prestam serviços médicos a terceiros; b) atos não cooperados de serviços de administração a terceiros que adquiram seus planos de saúde. 2. Os primeiros atos, por serem típicos atos cooperados, na expressão do art. 79, da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estão isentos de tributação. Os segundos, por não serem atos cooperados, mas simplesmente serviços remunerados prestados a terceiros, sujeitam-se ao pagamento de tributos, conforme determinação do art. 87 da Lei nº 5.764/71. 3. As cooperativas de prestação de serviços médicos praticam, na essência, no relacionamento com terceiros, atividades empresariais de prestação de serviços remunerados. 4. Incidência do ISS sobre os valores recebidos pelas cooperativas médicas de terceiros, não associados, que optam por adesão aos seus planos de saúde. Atos não cooperados. 5. Recurso provido” (REsp 254.549/CE – 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 18.09.2000).
Roberto Adolfo Tauil.
www.consultormunicipal.adv.br
Comentários
Postar um comentário
Política de moderação de comentários:
A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal / familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos, bem como comentários com links. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.